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Precisamos falar sobre suicídio

De acordo com a OMS, 32 pessoas tiram a própria vida diariamente.

O desconhecimento e a falta de informação sobre o tema atrapalham na prevenção ao suicídio.

Setembro marca o mês de prevenção ao suicídio, assunto considerado tabu pela maioria das pessoas, mas que cresce cada vez mais no Brasil, principalmente entre os jovens. De acordo com a pesquisa Violência Letal: Crianças e Adolescentes do Brasil, em 2013, quase duas crianças e adolescentes de 9 a 18 anos consumaram suicídio por dia no Brasil. Em quase todas as idades (excluindo a de 19 anos), as taxas de suicídios aumentaram entre 2003 e 2013. Na faixa de 9 a 19 anos as taxas de suicídio, em 2003, era de 1,9 em 100 mil; em 2013, a média aumentou para 2,1. Os números são do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde (MS), que registra suicídios a partir dos 9 anos. Nas comparações internacionais com mais 89 países, o Brasil ocupa a 43ª posição no ranking, com taxa de 0,7 suicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de idade; a 51ª posição entre os adolescentes de 15 a 19 anos e a 53ª no conjunto de 10 a 19 anos de idade. Essas dados mostram a necessidade de discutir o tema no Brasil.

As informações da pesquisa foram compiladas em 2015 pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), um organismo de cooperação internacional para pesquisa e produzido como subsídio interno encomendado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O relatório foca não só nos casos de suicídio, mas abrange as causas externas de mortalidade no Brasil: mortalidade por acidentes de transporte, suicídios e homicídios.

Suicídios no mundo – Segundo relatório da OMS, todos os dias 32 pessoas tiram a própria vida. Em 2012, foram registrados 11.821 casos em todo o mundo. Ainda de acordo com a OMS, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos. Por isso, dia 10 de setembro foi instituído pela Organização e pela International Association for Suicide Prevention (Iaps) como o Dia Mundial de Combate ao Suicídio.

A Índia está em primeiro lugar com 258 mil casos. Segundo os dados do relatório, o suicídio é a segunda maior causa de mortes entre pessoas de 15 a 29 anos. No entanto, o documento mostra que as taxas de suicídio são maiores entre os que tem mais de 70 anos. A OMS afirma ainda que para diminuir o aumento nos casos de suicídio é preciso que os países invistam na adoção de uma abordagem multisetorial abrangente.

Informação e Prevenção – De acordo com os órgãos e médicos que trabalham com comportamento suicida, os mitos e a falta de informação a respeito do suicídio, são uma grande barreira para o seu combate. Em entrevista concedida à equipe de reportagem da Fundação Verde, Neury José Botega, psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que dentre os vários mitos em torno do suicídio, o mais equivocado é a ideia de que perguntar a alguém sobre o assunto pode instigar a pessoa a se matar. “Nada mais equivocado! Ao contrário, uma pergunta tão sensível, no meio de uma conversa franca e acolhedora, pode significar um alívio para quem realmente está pensando no assunto”. Segundo o professor, outro mito é a afirmação de que quem ameaça o suicídio não se mata, pois quem se mata mesmo não avisa. Neury afirma que a ameaça pode comunicar algum grau de sofrimento psíquico que precisa ser levado a sério. “Pesquisas mostram que, na maioria das vezes, as pessoas que pensam em suicídio dão pistas sim de que vão se matar”. Para o professor, a sociedade tem dificuldade para perceber isso e cogitar sobre a possibilidade de conversar a respeito.

Segundo Neury, referência no país em prevenção do comportamento suicida, pelo menos uma parcela de mortes poderia ser evitada, no entanto, a falta de informação e o desconhecimento atrapalham na prevenção ao suicídio. “O primeiro passo é a informação e discussão no lugar do preconceito”, alerta o professor.

Quando o assunto é prevenção, o psiquiatra afirma ser possível prevenir uma boa parcela de mortes por suicídio. “Principalmente nos casos em que a pessoa sofre de depressão ou de outros problemas mentais, como, por exemplo, alcoolismo, transtorno bipolar, esquizofrenia e traços impulsivos/agressivos de personalidade”, afirma Neury. De acordo com ele, diagnosticar precocemente e tratar essas doenças ajuda a prevenir o suicídio. “Há outras estratégias de prevenção também, voltadas ao grande público, como a restrição de acesso a meios letais e a veiculação adequada dos casos de suicídio pela imprensa e redes sociais”. O professor e psiquiatra bate na tecla de que a divulgação de números e casos, além do compartilhamento de informação a respeito do suicídio pode ajudar e muito a prevenir futuros casos.

O suicídio é uma grande questão de saúde pública em todos os países e apenas uma pequena proporção do comportamento suicida chega ao conhecimento da população. Pensando nessa falta de informação em torno do tema, a Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), escreveu a cartilha “Suicídio: Informando para Prevenir”, que traz uma série de informações para ajudar a sociedade a desmistificar o tabu sobre o tema e inserir essa pauta na sociedade. De acordo com a cartilha, para mudar o cenário atual é preciso que a sociedade esteja engajada na defesa pela vida, além de gestores comprometidos com políticas públicas voltadas para a saúde mental. Segundo a cartilha, é possível prevenir o suicídio, desde que os profissionais de saúde, de todos os níveis de atenção, estejam aptos a reconhecer os seus fatores de risco.

A cartilha apresenta ainda o impacto do suicídio e o porquê de preveni-lo. “A cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio, e a cada três segundos uma pessoa atenta contra a própria vida. As taxas de suicídio vêm aumentando globalmente. Estima-se que até 2020 poderá ocorrer um incremento de 50% na incidência anual de mortes por suicídio em todo o mundo, sendo que o número de vidas perdidas desta forma, a cada ano, ultrapassa o número de mortes decorrentes de homicídio e guerra combinados. Além disso, cada suicídio tem um sério impacto na vida de pelo menos outras seis pessoas.

Campanha de conscientização e apoio familiar – Com o lema “Falar é a melhor solução”, o Centro de Valorização à Vida (CVV) realiza pelo terceiro ano consecutivo a campanha de conscientização sobre o assunto suicídio. A Comissão de Divulgação do Centro, assim como outros órgãos, acredita que a conscientização da sociedade sobre o tema é o melhor caminho para a prevenção ao suicídio. O CVV exerce trabalho fundamental na prevenção de mais casos. Apesar dos dados serem completamente sigilosos, o CVV acredita sim que dentre as milhares de ligações recebidas, tenha um alto índice de jovens. “Eles, assim como todos que procuram o CVV, independentemente de faixa etária, sexo, crenças, etc, recebem acolhimento, atenção e apoio emocional de maneira incondicional”, explica o responsável pela Comissão de Divulgação do CVV.

De acordo com dados do CVV, ao longo dos últimos 50 anos os voluntários assistiram o suicídio tornar-se uma das maiores tragédias contemporâneas, responsável pela morte de milhares de pessoas. Esse crescimento gerou também um aumento na busca por ajuda, o que pode ser percebido nas estatísticas de atendimento dos postos do CVV distribuídos por todo o país e pelas unidades de saúde pública. Esta situação trouxe um enorme desafio para as iniciativas da sociedade civil organizada e para os formuladores de políticas públicas: como desenvolver redes de proteção capazes de dar apoio, orientação e recuperação para aqueles que vivem de perto esse drama. Como criar espaços de convivência, de compartilhamento e suporte onde os sobreviventes possam trocar experiências e se apoiarem mutuamente?

Foi a partir dessa necessidade que começaram a surgir em diferentes locais do país os Grupos de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio (GASS). Com o suporte dos voluntários do CVV, cidades como São Paulo, Porto Alegre, Novo Hamburgo, Curitiba e Cuiabá já contam com grupos organizados que se reúnem uma vez por mês para facilitar essa troca de experiências e apoio emocional, possibilitando a conversa anônima.

De acordo com o CVV, mesmo que não substituam o acompanhamento de profissionais da saúde, os GASS são espaços importantes que podem propiciar aos participantes uma melhoria na qualidade de vida, bem como maior equilíbrio e bem-estar. Usando uma metodologia já consagrada em outros grupos de apoio mútuo (como alcóolicos anônimos, por exemplo), os GASS são autônomos e autogeridos, e têm como principais preceitos o sigilo e anonimato, a gratuidade, o respeito aos relatos e a livre participação.

Larissa Itaboraí