Cruzando as estradas do interior de Goiás, Minas Gerais e outras regiões brasileiras, o que vemos nas fazendas que beiram as rodovias são plantações e mais plantações. Seria bom se esse elevado número de plantio fosse arroz, feijão, verduras, mandioca, hortaliças, enfim, alimentos provenientes da agricultura familiar. Só que não. O que se vê, na realidade, são hectares de soja, algodão, milho, cana e eucalipto, mas não plantados de maneira variada. Monocultura é o que mais se vê em torno do Brasil. A terra fica infértil para outro tipo de plantio e a agricultura familiar, responsável por cerca de 70% do que é consumido pelo brasileiro, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), fica em segundo plano.
Dados divulgados no final de novembro, pela presidenta Dilma Rousseff, apontam que serão disponibilizados recursos na ordem de R$ 136 bilhões para o agronegócio, enquanto a agricultura familiar receberá R$ 21 bilhões, ou seja, 15,4% do total. É um cenário discrepante e preocupante. De acordo com Fernando Carneiro, professor e chefe do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília, o setor que receberá o maior montante de investimentos destina grande parte desses recursos à agricultura para a exportação de commodities.
Atualmente, o Brasil é o maior exportador de soja do mundo, responsável por 30% do saldo positivo na balança comercial. O problema é que quando a soja, o algodão, o milho e a cana são exportados, junto a essa exportação vai solo, água e trabalhadores que morrem pela ingestão de agrotóxicos. “Esse custo é socializado e o lucro é capitalizado. E essa exportação não é para alimentar a população brasileira. Basicamente é para servir de ração para os animais na China (maior parceiro comercial do Brasil) e Estados Unidos”, explica o professor Fernando Carneiro, que também é coordenador do Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta – Teia de Ecologia de Saberes e Práticas..
Portanto, o primeiro mito é que o agronegócio veio para alimentar a fome da população e baixar o custo da cesta básica. Até porque, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o tamanho das áreas de plantio de arroz e feijão têm diminuído, pressionados pela soja e pela cana. Ou seja, apesar da maior parte do país ser alimentada pela agricultura familiar, em que agricultores utilizam menos ou nenhum agrotóxico no plantio, o agronegócio recebe a maior parte dos investimentos e recursos e ainda com o agravante de utilizar maior quantidade de agrotóxicos no cultivo. Além de crescer em maior proporção, o agronegócio recebe mais recursos financeiros e degrada mais o meio ambiente. Mas, que cálculo é esse do governo brasileiro então?
Sem respostas – Em contato com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) há mais de um mês em busca de números de investimento em agronegócio e agricultura familiar, a reportagem da Fundação Verde Herbert Daniel teve grande dificuldade em ter acesso aos dados do agronegócio. Isso porque a Embrapa não disponibilizou os números, alegando que poderia gerar grande confusão, já que agronegócio engloba muitas agriculturas diferentes.
No entanto, como descrito no início da reportagem, no dia 28 de novembro foram divulgados pelo Palácio do Planalto quanto serão destinadas para ambas as agriculturas, o que comprova a falta de preocupação do governo com a qualidade dos alimentos ofertados à população. Uma coisa é certa: a agricultura familiar, considerada a grande responsável por alimentar a população brasileira, recebe quase sete vezes menos recursos do que o agronegócio.
Segundo a Embrapa, “sobre os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento em Agricultura Familiar, Agricultura Orgânica e Agroecologia, nos últimos quatro anos (2009-2013) o valor total aplicado foi por volta de R$ 1,5 bilhão, cerca de 15% do orçamento total da empresa no período”. Esse valor se refere aos seis projetos da Embrapa (específicos para pesquisas com agricultura familiar), os projetos de pesquisa e de transferência de tecnologia (que estiveram ou estão em execução neste período) relacionados à agroecologia, agricultura orgânica, sistemas de base ecológica, e pesquisa e transferência de tecnologia para agricultura familiar e comunidades tradicionais.
Agrotóxicos e mudanças climáticas – Apesar da aplicação de recursos da Embrapa, a nítida preferência política pelo agronegócio faz com que o Brasil seja o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, já que um não sobrevive sem o outro. Para se criar um ambiente artificial, onde somente um tipo de cultura será cultivado, são destruídos todos os inimigos naturais, surgindo pragas. As pragas são criações do modelo. Fernando Carneiro explica que em uma área equilibrada em termos de biodiversidade não terão pragas que destroem tudo, pois há um convívio entre os seres vivos. Quando isso é rompido, e isso acontece em todas as propriedades do agronegócio, é criado um ambiente sujeito a grandes pragas que vai ter que exigir muito mais agrotóxico.
De acordo com relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), o monocultivo e a concentração de terras agravam aquecimento e afetam produtividade agrícola do país. No país que detém a maior biodiversidade do mundo e que carece de sistemas para dar conta de conhecer essas espécies antes que o agronegócio, as hidrelétricas e a mineração levem-nas embora, investimentos nesse setor só crescem.
Reafirmando a importância da agricultura familiar, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmam que as compras públicas de alimentos produzidos pela agricultura familiar vem crescendo no Brasil. Segundo relatório divulgado em outubro deste ano, especialmente o Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) utilizam esses alimentos.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão consultivo ligado à presidência da República, afirma que a concretização da segurança alimentar “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”. Só falta dispor mais recursos para a agricultura familiar.
Por Larissa Itaboraí.
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