“Gênero e Diversidade nas escolas” traz temas como diversidades sexuais e de gênero, homofobia, sexismo, machismo e racismo num cenário em que muitos Planos de Educação sequer mencionam”
Gênero e Diversidade nas Escolas Fluminenses é o nome do projeto que está contribuindo com a formação, sensibilização e capacitação dos professores e profissionais da educação pública no Brasil, no entendimento da diversidade e de uma cidadania plena a todos os estudantes nas temáticas transversais de gênero, orientação sexual e raça/etnia. O que já é um projeto notável pela colaboração que oferece para a construção de uma nova cultura com relação ao machismo e sexualidade, por exemplo, mostra ainda mais persistência por estar inserido num contexto político ultra conservador, em que temas como a homofobia e o respeito à diversidade não são contemplados claramente em grande parte dos Planos Municipais e Estaduais de Educação. O resultado do curso são professores preparados para lidar com a diversidade no ambiente escolar e preocupados em diminuir a violência contra a mulher, a violência homofóbica, o racismo e a intolerância religiosa.
O curso de extensão desenvolvido pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) recebe, há mais de um ano, o apoio da Fundação Verde Herbert Daniel (FVHD). De lá pra cá, três municípios cariocas – São Gonçalo, Niterói e Duque de Caxias, foram contemplados pelo projeto. Cada etapa tem duração de 3 meses. De acordo com o coordenador do projeto, Washington Castilhos (mais conhecido como Well), que também é um dos coordenadores do CLAM, o curso foi pensado para capacitar e sensibilizar esses profissionais que estão no dia a dia das escolas a lidarem com esses temas e cooperarem para que as escolas se tornem cada vez mais acolhedoras da diversidade. O coordenador afirma ainda que os Planos de Educação, feitos pelas Câmaras Estaduais e Municipais e que contam com a cooperação apenas de vereadores, prefeitos e deputados, excluindo professores e outros profissionais que vivem a realidade das escolas, suprimem temas importantes e isso tem consequência direta na vida dos estudantes. “Quem vai lidar com questões como a diversidade (sexual, de gênero, étnico-racial ou religiosa), as sexualidades, a homofobia, o sexismo, o machismo e o racismo, no chão da escola, são estes profissionais de educação e não um vereador, um deputado, um padre ou um pastor”, justifica Well.
Um dos grandes entraves na inclusão do tema diversidade nas escolas é o conservadorismo visto em grande parte das Câmaras Municipais e Estaduais. Well afirma que este conservadorismo e a falta de interesse desses representantes em incluir o tema da diversidade nas escolas, muitas vezes está associado à alianças feitas com setores religiosos que apregoam uma visão distorcida sobre as sexualidades. Ele lembra que “tampar os olhos para assuntos como esses demonstram a falta de preocupação dos representantes do povo em diminuir a violência contra a mulher, a violência homofóbica, o racismo e a intolerância religiosa. Porque somente por meio da abordagem desses e outros temas na educação poderemos um dia eliminar essas formas de preconceito, discriminação e violências em nosso país”.
Vale observar que, na contramão desse tom conservador, em cada município em que o curso é ofertado, os professores apresentam grande interesse em aprender a lidar com a diversidade e a participar da capacitação, o que para o coordenador Well “é uma prova da enorme distância entre aquilo que nossos legisladores querem para os estudantes (ou acham que eles devam fazer em suas escolas) e aquilo que eles desejam para si próprios”.
Capacitação e Sensibilização – No último ano, o curso Gênero e Diversidade nas Escolas foi ofertado em São Gonçalo, Niterói e, no momento, está capacitando educadores em Duque de Caxias. Ao longo dessa formação, cerca de 120 profissionais já foram certificados pela UERJ. Os temas debatidos nos cursos são: Diversidade na Escola, Sexualidade, Gênero, Relações Étnico-raciais, HIV/Aids e outras DSTs no contexto do Programa de Saúde da Escola (PSE), Meio-ambiente e Diversidade.
Para cada aula/tema é convidado um especialista diferente que apresenta a dimensão teórico-conceitual daquela determinada disciplina e discute, junto aos profissionais da educação e cursistas, suas questões, problemas e dilemas cotidianos. Segundo Well, o objetivo não é apresentar respostas prontas, mas fazê-los refletir sobre essas questões que aparecem no cotidiano escolar.
O início do curso deu-se ainda em 2006 e já foi executado em diversas cidades de todas as regiões do país. Well conta que, em 2015, devido à ameaça de retirada da menção ao gênero dos textos dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, foi proposto às prefeituras de municípios do estado do Rio de Janeiro a oferta do curso em um formato diferente do que vinha sendo ofertado nos últimos dez anos. “Em vez de um ano, como anteriormente, o curso atualmente dura três meses. Nós o condensamos em oito encontros presenciais de duração de quatro horas cada, cada aula abordando uma disciplina diferente, de forma transversal e interseccional”, esclarece o coordenador.
Originalmente, o curso foi elaborado para ser executado em parceria com as Secretarias Municipais de Educação. Em Niterói e São Gonçalo as secretarias concederam essa parceria. No entanto, segundo Well, nem todas as prefeituras bancam a parceria. “Em Duque de Caxias, por exemplo, convocamos os cursistas e estamos realizando de forma autônoma, somente com apoio da UERJ e da Fundação Verde”.
Ambiente escolar e a importância do acolhimento – A escola é, por excelência, um dos principais espaços para a formação da cidadania e de socialização entre crianças e adolescentes. A falta de um direcionamento no âmbito da diversidade, com profissionais que saibam lidar com a diversidade sexual, de gênero e orientações sexuais, fazem com que a escola deixe de exercer seu principal papel na sociedade, o de contribuir para o fortalecimento na sociedade de uma cultura que saiba respeitar e valorizar a diversidade.
Pesquisa divulgada em 2009 pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP), constatou que as principais vítimas de bullying e discriminação no ambiente escolar eram homossexuais, negros e pobres. O estudo mostrou também que em escolas em que havia mais atitudes preconceituosas, o desempenho médio dos alunos (não apenas daqueles que eram alvo dessas práticas) em português e matemática era menor. Outra conclusão é que, em geral, níveis maiores de preconceito numa escola não prejudicam apenas um grupo. Se há preconceito contra alunos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), é maior a probabilidade de que, no mesmo ambiente, haver preconceito também contra negros, pobres, mulheres ou qualquer outra forma de discriminação.
No Brasil, a inclusão dessa temática ainda não é uma realidade na maioria das instituições de ensino. Indicação disso é que mais da metade das escolas brasileiras que oferecem ensino médio não desenvolvem projetos sobre machismo e homofobia, segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2011. Além disso, há ainda o agravante de estar crescendo no país um movimento de pressão por omissão desses temas no ambiente escolar.
Hoje, dos 23 estados cujos Planos Estaduais de Educação já foram sancionados pelo Executivo, dez não mencionam a questão da identidade de gênero e/ou orientação sexual. Junto a isso, 56% das escolas brasileiras de ensino médio não possuem projetos sobre machismo e homofobia.
Conservadorismo político e o retrocesso social – Numa Câmara dos Deputados cada vez mais conservadora frente a temas relacionados ao respeito à diversidade, fica cada vez mais difícil inserir na pauta educacional esses assuntos. Em 2010, o MEC desenvolveu um material para ser distribuído aos professores chamado “Escola sem Homofobia”. O material tinha como objetivo combater a violência contra gays, lésbicas, travestis, transexuais, entre outros grupos e mirava na formação de educadores para tratar das questões de gênero e da sexualidade em sala de aula. No entanto, grupos conservadores e representantes do fundamentalismo religioso no Congresso Nacional disseram que esse ”Kit Gay” iria estimular o homossexualismo e a promiscuidade. No entanto, antes mesmo de ser distribuído o material foi suspenso. De acordo com Well, “o material foi apelidado levianamente de “kit gay” para causar o pânico social que acabou causando”.
De acordo com Washington, ao permitir as discussões acerca da posição da mulher na sociedade, da aceitação dos novos arranjos familiares, das novas conjugalidades nos relacionamentos afetivos e no reconhecimento da chamada diversidade sexual, os estudos de gênero passaram a incomodar o status quo, “o que fez com que as instituições conservadoras e tradicionais religiosas se empenhassem em criar de modo enfático, persistente, e até mesmo antiético, essa narrativa denominada “ideologia de gênero”, hoje usada oportunamente por políticos ligados à bancada religiosa como uma espécie de “cabo eleitoral” em suas campanhas”.
A escola pode desempenhar um papel crucial para a diminuição desses efeitos negativos, criando um clima positivo e reduzindo o assédio homofóbico. Isso demanda a criação de um ambiente proativo e pautado pelo respeito às diferenças. Para tanto, temas como identidade de gênero e orientação sexual devem fazer parte das rotinas escolares e pedagógicas.
Larissa Itaboraí