A natureza se recupera e deixa um aviso: precisamos rever nossos hábitos após a pandemia.
Os dias estão tristes. Para milhares de pessoas, a solidão é uma constante. Muitos vivem séria restrição alimentar ou passam fome. As condições, a capacidade e o sistema hospitalar no Brasil, e no mundo, estão sendo postos à prova. A desigualdade social grita ainda mais forte a sua crueldade, mas há um único momento em que todos se igualam. Quando corpos se amontoam em cemitérios, nem ricos, nem pobres podem chorar e se despedir de seus mortos.
A lista de dolorosas situações e verdades durante a crise do coronavírus é longa e cruel. Mas é preciso olhar também para o horizonte, onde o sol desponta, onde há esperança. Um horizonte em que a natureza renasce e grita para que a humanidade tenha novos hábitos.
Triste pensar que nós humanos precisamos de uma catástrofe mundial para vermos a verdade que cientistas tentam mostrar há anos e anos. É urgente retomar o equilíbrio do ecossistema. Nesse aspecto, talvez o coronavírus seja muito bom para um alerta, segundo o infectologista Eugênio Scannavino (Folha de São Paulo):“o apocalipse moderno, mais imediato e provável, seria uma pandemia por viroses emergentes ou mutação de vírus preexistentes”.
Ele chama a atenção para “habitats que estão sendo substituídos por monoculturas extensivas e agrotóxicos químicos que destroem tudo: abelhas, insetos biorreguladores, e muito mais, usando sementes modificadas geneticamente e aplicando antibióticos massivamente em criações de frangos, porcos e gado”.
Para Alexandre Mansur (Exame), jornalista e sócio da agência de comunicação e ativismo O Mundo Que Queremos, “ninguém está falando muito disso [produção industrial de animais]agora. Mas muitos dos processos de produção industrial de animais criam vulnerabilidades para o surgimento de doenças potencialmente catastróficas. O Covid-19 provavelmente veio de práticas de armazenar animais selvagens presos em jaulas sem condições de higiene […]”.
“Havia muitos alertas científicos que o consumo de animais silvestres com aquela falta de cuidados poderia dar origem a um patógeno desses. Mas não havia vontade política para agir. Agora, a prática foi abolida pelo governo chinês. Mas ainda precisamos lidar com as fábricas de proteína animal”, ressalta.
Natureza: as lições do Covid-19
Talvez uma das grandes lições do coronavírus seja alertar toda a humanidade para a importância de rever seus hábitos de consumo exacerbado de animais para alimentação e para os sérios riscos que corremos em consequência do desrespeito ao meio ambiente – com desmatamentos, uso excessivo de agrotóxicos, plantação de transgênicos, destruição de córregos, rios e lençol freático, sem contar o excesso de lixo produzido pelo consumismo exagerado e desnecessário.
E a própria natureza vem mostrando que, sem o ser humano, ela vai muito bem, obrigada. Em Veneza, a água dos canais, normalmente turvas, ficaram translúcidas ao ponto de peixes poderem ser vistos. Em São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) já avaliou a qualidade do ar e constatou que, entre 20 e 30 de março deste ano, houve queda na presença de monóxido de carbono no ar. A cidade está clara e o céu pode, enfim, ser visto.
Segundo a BBC, “o fechamento de fábricas e lojas na China, ao lado das restrições de viagens para lidar com a epidemia da covid-19, resultaram em um declínio substancial no consumo de combustíveis fósseis”.
“Esse processo produziu uma queda de pelo menos 25% na emissão de dióxido de carbono (CO₂) da China, segundo cálculos de Lauri Myllyvirta, do Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo (Crea), com sede nos Estados Unidos.”
E o futuro?
Tudo isso é passageiro, infelizmente, mas talvez a humanidade compreenda que os caminhos precisam ser mudados, que os hábitos de cada um precisam ser revistos. Cientistas continuam seus alertas sobre a urgência de repensarmos a convivência humana, o consumismo, a forma de lidarmos com o meio ambiente.
“Esta pandemia [Coronavírus] virá e passará como as outras e sua letalidade será relativamente superada, mas serve muito bem para refletirmos sobre tudo isso e o que temos feito ou deixado de fazer.Já imaginaram quando vier uma mais letal?”, questiona Eugênio Scannavino.
“Isto já está por acontecer. Está acontecendo agora com o coronavírus, que diante de outros parece até um vírus quase que amigável. Até quando Deus perdoará nossas ofensas aqui na terra como no céu?”, questiona o infectologista.
Sim, talvez ainda tenhamos tempo para pararmos e refletirmos. Não podemos colocar a culpa em povos específicos ou mesmo apenas nos governantes e no capitalismo doentio. Cada um dos seres humanos sobre a terra tem a sua parcela de culpa e de responsabilidade.
Afinal, até quando a natureza nos perdoará por nossos erros?
Para saber mais:
Eugênio Scannavino
Coronavírus e seus efeitos no meio ambiente
Yuval Noah Harari: o mundo após o coronavírus
https://leonardoboff.wordpress.com/2020/03/24/yuval-noah-harari-o-mundo-apos-o-coronavirus/
Oito megatendências ecológicas para o mundo pós-coronavírus
Pangolins podem ser vetores de coronavírus semelhante ao da atual pandemia
Como a pandemia de coronavírus pode ter efeito positivo para o meio ambiente
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51682790
Coronavirus: “Nature is sending us a message”, says UN environment chief.
https://www.theguardian.com/world/2020/mar/25/coronavirus-nature-is-sending-us-a-message-says-un-environment-chief
Surto de coronavirus é reflexo da degradação ambiental, afirma Pnuma.