O Dia Internacional da Democracia é um ótimo momento para o Brasil e o mundo olharem para suas histórias e repensarem suas estratégias rumo a um futuro pautado em liberdade
O Brasil está entre os países em que a autocratização mais se desenvolveu nos últimos dez anos. Em sua companhia estão a Hungria, Turquia, Polônia, Sérvia e Índia, segundo o Relatório da Democracia 2020, do V-Dem Institute (Varieties of Democracy Project) – um instituto de pesquisa independente, com sede no Departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Portanto, o Brasil não foi classificado como um país liberal, pelo contrário: está entre os que mais vêm perdendo suas caracterísitcas democráticas.
São usados para a pesquisa mais de 450 indicadores, porque trabalha-se com a concepção de que uma democracia é muito mais que apenas a existência de eleições. Nesse sentido, o documento não é nada animador quanto ao futuro da democracia no mundo. Divulgado no início deste ano, o relatório alerta para o fato de que a “terceira onda de autocratização” vem se acelerando e se aprofundando. A primeira onda ocorreu por volta de 1926-1942 e a segunda, de 1961 a 1977.
Segundo o instituo, a democracia sofreu um declínio em 26 países em 2019, em relação a 2018 e 2017. De um pico em 2010, com 55% (98 Estados), o índice de países democráticos caiu para 48% das nações do mundo em 2019. Assim, o planeta teria atualmente 87 democracias eleitorais e liberais, onde vivem 46% da população mundial.
De acordo com a pesquisa, fica claro que a autocratização, o declínio dos traços democráticos, é um mal a ser olhado bem de perto e deve ser levado a sério. Calcula-se que 54% da população global vivem em autocracias em 92 países, pela primeira vez desde 2001. Pelo menos 35% da população mundial estão em nações que passam por um processo de autocratização, em um total de 2,6 bilhões de pessoas.
Ataques contra a liberdade de expressão e de imprensa têm afetado 31 países. A censura e a repressão à sociedade civil se intensificaram em 37 nações, 11 a mais do que o número de 26 países atualmente em severa autocratização.
“A literatura baseada em casos sugere que os responsáveis pelos processos atuais de autocratização estão usando principalmente meios legais e que a apropriação ilegal de poder se tornou menos frequente”, escrevem em artigo Anna Lührmann e Staffan I. Lindberg, do V-Dem Institute.
Alertam ainda: “A erosão democrática tornou-se a tática comum durante a terceira onda de autocratização. Aqui, os titulares acessam legalmente o poder e gradualmente, mas substancialmente, minam as normas democráticas sem abolir as principais instituições democráticas. Tais processos representam 70% na terceira onda de reversão democrática […]”.
Nas ruas, gritos pró-democracia
Na contramão, enquanto a “terceira onda de autocratização” cresce, há sinais positivos de respostas pró-democracia. Novos indicadores usados pelo V-Dem demonstraram que os protestos em defesa da democracia atingiram seu ponto mais alto em 2019. Segundo o relatório, os protestos populares contribuíram substancialmente para a democratização em 22 países nos últimos dez anos.
Resistências pró-democracia cresceram de 27%, em 2009, para 44%, em 2019. Durante 2019, cidadãos de 29 democracias se mobilizaram contra a autocratização e os protestos em massa ocorreram em 34 autocracias.
No Brasil, em junho deste ano, pesquisa Datafolha mostrou que 75% dos entrevistados consideram o regime democrático o mais adequado. Infelizmente, 10% consideram que a ditadura é aceitável em algumas ocasiões. Segundo o instituto, foram ouvidas 2.016 pessoas nos dias 23 e 24 de junho, por telefone. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. O apoio atual à democracia é o maior desde 1989, quando o Datafolha começou a aferir o dado.
Em qualquer circunstância, 10% é um dado muito grande quando o assunto é ditadura. É fato que a perda de características democráticas no Brasil vêm se acelerando severamente e passa por vários fatores: desrespeito à liberdade de imprensa e de expressão, cerceamento a direitos de minorias, aumento das questões raciais, desmantelamento na calada da noite de leis de proteção ambiental e a minorias, a negação da ciência… Só para começar.
O Dia Internacional da Democracia é um ótimo momento para o Brasil e o mundo olharem para suas histórias e repensarem suas estratégias rumo a um futuro livre, de direitos iguais. Nos dias de hoje, “O ovo da serpente” pode vir camuflado, bem discreto, em papel de presente colorido, pelos meios legais, pelo voto, mas a picada pode ser fatal.
Fontes:
Varieties of Democracy Project (V-Dem)
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