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A Parte que nos toca na COP de GLASGOW

Ao começar a COP-26, em Glasgow, diante de tantas incertezas sobre a capacidade humana de enfrentar as mudanças climáticas, sinto-me às vezes dividido entre a esperança e a tristeza. Afinal, há quase meio século a questão ambiental definiu meu trabalho. A tendência é constatar como as coisas pioraram de um lado e como melhoraram de outro.

Quando o Clube de Roma, no fim da década de 1960, lançou o primeiro manifesto falando da limitação dos recursos naturais e propondo mudanças na forma de consumir e produzir, a quantidade de carbono na atmosfera era relativamente pequena: pouco mais de 300 ppms, medida que exprime o número de partículas por milhão na atmosfera. Hoje esse índice é de 450 ppms.

As mudanças climáticas tornaram-se um grande tema bem depois do alerta genérico do Grupo de Roma. Naquela época, não se falava tanto em clima, mas na perspectiva de escassez de recursos naturais.

No princípio, contamos com reduzir o aquecimento ao nível de 1,5 grau no fim de século; hoje, já se fala no índice de 2,8 graus.

Às vezes tendo a concordar com a rainha da Inglaterra, que, num acesso de franqueza, sugeriu que os líderes mundiais falam muito, mas fazem pouco. Acontece que o caminho é difícil. O Plano Biden dá uma ideia de como será preciso mudar profundamente uma sociedade dependente do combustível fóssil para reduzir as emissões.

Meu amigo Alfredo Sirkis dizia com muita lucidez: os governos prometem investir US$ 100 bilhões por ano na transição e adaptação dos países mais pobres, mas na verdade não têm bala para isso. E, se tiverem, faltarão condições políticas para gastar tanto nessa ajuda planetária.

A única saída é o sistema financeiro internacional, que move mais de US$ 230 trilhões e não pode ser um simples espectador nessa desesperada luta humana pela sobrevivência das novas gerações.

Como diz Sérgio Besserman, 2 bilhões das crianças de hoje ainda estarão vivas no fim do século; vamos pensar nelas ou deixar que se virem num mundo devastado por eventos extremos?

Empresas já adotam uma governança ecológica e social. Fundos de pensão condicionam o investimento à não destruição do meio ambiente. A economia, aos poucos, deixa de ver a natureza como um fator de produção simples e barato: entende que é limitada e valiosa.

Tudo isso seria um consolo para o molecular trabalho de tantos anos. No entanto, o balanço torna-se amargo quando se olha para o Brasil, tão inspirador pelas suas riquezas naturais, tão decepcionante pelo rumo de seu governo.

Nosso país deixou de ser parte da solução para tornar-se apenas parte do problema. Bolsonaro é completamente incapaz de compreender essa transformação profunda por que o planeta passa.

Há um abismo entre o mundo em mutação e a visão econômica e de segurança nacional que vigora nas altas esferas. Uma legislação construída com muito trabalho é desfeita não apenas como se passasse uma boiada por ela, mas um bando de famintos javalis.

Na contramão do mundo, as emissões de carbono crescem no Brasil. A floresta arde, as populações tradicionais sofrem. A Constituição previu um caminho para tratar os indígenas, mas ele não foi trilhado. Pelo contrário, estimulam-se a destruição e o garimpo, e o sonho do governo parece ser a dissolução dessas culturas na sociedade abrangente. Se fôssemos considerar a batalha planetária apenas pelo Brasil oficial, teríamos de nos sentar na calçada e chorar rios.

A própria Conferência de Glasgow mostrará que o país não se resume a um obtuso governo central que associa vacina contra Covid-19 a Aids. Governadores, empresas, diplomatas aposentados, todos brasileiros, estarão na Escócia falando a mesma língua do planeta.

Na verdade, muita coisa depende de Brasília. Às vezes Bolsonaro detona até as chances dos estados, sabotando como fez no Fundo Amazônia, com dinheiro da Noruega e Alemanha, que financiava projetos ambientais e estruturas locais de combate a incêndios.

É importante que o mundo saiba em Glasgow que o Brasil quer se mover na direção correta e vai fazê-lo com mais eficácia assim que solucionar esse quadro absurdo que a democracia, é verdade, propiciou, mas tem todas as condições de devolver às trevas de onde surgiu.

Artigo publicado no jornal O Globo em 01/11/2021