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Abril Indígena tem início marcado pelo Acampamento Terra Livre em Brasília

Mobilização de mais de oito mil lideranças de 200 povos resultou na elaboração de uma Plataforma Indígena de Reconstrução do Brasil

Este ano, o Abril Indígena teve início com a maior mobilização já vista dos povos originários. Entre os dias 4 e 14 de abril, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de oito mil lideranças de 200 povos indígenas de todas as regiões do país estiveram reunidas no Acampamento Terra Livre (ATL) no complexo da Fundação Nacional de Artes (Funarte), próximo à Esplanada dos Ministérios em Brasília, para debater o tema “Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política”.

Ao longo dos dez dias de programação, foram discutidos temas como demarcação dos territórios tradicionais, projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional e o fortalecimento da presença de indígenas em espaços de poder.

Na 18ª edição do ATL, destacou-se internacionalmente o exemplo de mobilização, organização e luta dos povos originários. Tal grau de mobilização resultou na Plataforma Indígena de Reconstrução do Brasil, construída pelas lideranças indígenas ali presentes. Essa Plataforma faz parte do Documento Final do ATL 2022, que pode ser lido na íntegra no site da Apib.

Fonte: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Os pontos de destaque desse documento, assinado e divulgado pela Apib no dia 14 de abril de 2022, último dia do acampamento, são o acirramento de perseguições, o sequestro e o rompimento de direitos no governo de Jair Bolsonaro, além do avanço das demandas indígenas com o “aldeamento da política brasileira”.

Plataforma Indígena de Reconstrução do Brasil

O ATL vem mostrando, desde 2004, quando aconteceu pela primeira vez, que já é um marco histórico das lutas do movimento indígena no Brasil, no qual está inserida a luta pelo bem viver de todas e todos. E a Plataforma Indígena de Reconstrução do Brasil é um exemplo disso. Com propostas apresentadas à plenária final do ATL 2022, ela está dividida em cinco eixos.

“Queremos ser protagonistas dos nossos planos de vida, exercer a nossa autonomia em nossos territórios e o nosso direito de participação na formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas que nos dizem respeito.”

Documento Final do ATL 2022

 No primeiro eixo, “Direitos territoriais indígenas: demarcação e proteção aos territórios indígenas já!”,destacam-se as propostas de criação de Planos Permanentes de Proteção das Terras Indígenas por uma Força Tarefa Interministerial com participação direta das comunidades indígenas e de um plano para “desintrusão” imediata de todas as terras indígenas invadidas por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros.

Das propostas apresentadas no Eixo 2, “Retomada dos espaços de participação e controle social indígenas”, são destaques o fortalecimento do Subsistema de Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde e a reversão da perda de participação indígena em órgãos representativos como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Foto: Kaiti Topramre – Cobertura colaborativa – Apib

As propostas que se destacam no terceiro eixo, “Reconstrução de políticas e instituições indigenistas”, são a garantia de assistência integral à saúde indígena e à educação escolar intercultural bilíngue e a criação de mecanismos específicos de proteção a indígenas que defendem os direitos humanos.

O Eixo 4,“Interrupção da agenda anti-indígena no Congresso Nacional”, tem como proposta única a interdição urgente do Marco Temporal (PL 490/2007) e da Mineração em Terras Indígenas (PL 191/2020) e de outras medidas legislativas que atentam contra os direitos territoriais indígenas.

Entre as propostas do Eixo 5, “Agenda ambiental”, estão a retomada, pelo Brasil, de compromissos assumidos no Acordo de Paris, a reestruturação do ICMBio e do Ibama, mecanismos de rastreabilidade de produtos para garantir a legabilidade, o reconhecimento da contribuição de povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira e na gestão de grande parte de nossos recursos hídricos.

Mobilização e luta coletiva

No ATL 2022, foram estabelecidos diálogos e pactos político-partidários entre indígenas e outros segmentos da sociedade com dois grandes objetivos: recuperar a democracia em nosso país, derrotando o governo genocida de Jair Bolsonaro, e aumentar a representatividade indígena no Legislativo, “não só porque é nelas que correm as principais ameaças aos nossos direitos fundamentais, assegurados pela Constituição Federal de 1988, mas também porque queremos estabelecer um nível de diálogo institucional em condições de igualdade com todas as esferas de governo e do Estado brasileiro”, estabelece o Documento Final do ATL 2022.

“Há uma tentativa incessante de aplicação de projetos de morte contra nossos territórios e vidas. Uma das propostas centrais do atual governo federal é a abertura das terras indígenas para exploração em grande escala de mineração, hidrelétricas e grandes projetos de infraestrutura.”

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Para os povos originários, massacrados pelo atual governo, só é possível vencer o cenário de barbárie, fascismo e racismo estrutural por meio de mobilização e luta coletiva, envolvendo movimentos sociais e os diversos setores da sociedade, em especial os mais vulnerabilizados como quilombolas, agricultores familiares, comunidades tradicionais, ribeirinhos e população periférica das grandes cidades.

O governo anti-indígena

Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República em 2019, há uma política anti-indígena em curso colocando alvo nas terras, nos recursos naturais e nas vidas de comunidades inteiras e levando a constantes perdas de direitos.

Um dos principais instrumentos dessa política anti-indígena de Bolsonaro é o PL 191/2020, de autoria do Executivo, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. Esse projeto de lei aguarda votação no plenário da Câmara Federal.

Porém, segundo relatos de vários povos, os danos da mineração sobre os territórios indígenas já são visíveis na contaminação de rios e devastação de florestas. Vide Mariana e Brumadinho.

Outro instrumento legislativo que ilustra o descaso desse governo com o patrimônio cultural e territorial indígena é o prosseguimento do PL 490/2007, de autoria do deputado Homero Pereira (PR MT), falecido em 2013. O PL propõe que o Legislativo, e não o Executivo, como é atualmente, detenha a competência para demarcar terras indígenas. A matéria está pronta para entrar na pauta de votações no plenário da Câmara Federal.

“Bolsonaro, desde sua campanha eleitoral e já no primeiro dia de seu mandato, proferiu discursos racistas e de ódio contra os povos indígenas, elegendo-nos como inimigos preferenciais e promovendo o desmonte do Estado, principalmente das instituições, políticas e programas que conquistamos ao longo das últimas três décadas, voltadas a atender nossas necessidades, interesses e aspirações, em linha com os direitos que nos assegura a Constituição Federal de 1988.”

Documento Final do ATL 2022

Na agenda prioritária do Congresso Nacional, estão o PL 2.633/2020, de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade MG), e o PL 510/2021, de autoria do senador Irajá (PSD TO). Ambos propõem ampliação do alcance de regularização fundiária no país e aguardam apreciação pelo Senado.

Marco temporal

Um dos mais importantes julgamentos da história brasileira é o chamado marco temporal, uma tese jurídica acintosa que altera profundamente a política de demarcação, pois estabelece que as populações indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Desde o início da análise da ação no Supremo Tribunal Federal, o julgamento foi suspenso diversas vezes. Com novo julgamento previsto para o primeiro semestre deste ano, os indígenas estão de malas prontas para voltar a Brasília no meio do ano.

“Precisamos interromper esses processos de destruição e morte. Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! Lutamos por um projeto civilizatório de país e de mundo. Um projeto baseado nos princípios do respeito à democracia, aos direitos humanos, à justiça, ao cuidado com o meio ambiente e com a Mãe Natureza; um projeto que respeite a diversidade étnica e cultural do país do qual fazemos parte, com mais de 305 povos diferentes e 284 línguas indígenas, sem racismo, preconceitos e discriminações de nenhum tipo.”

Documento Final do ATL 2022

O Acampamento Terra Livre deste ano foi realizado pela Apib e por organizações de base – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Conselho Terena; Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); Aty Guasu – a Grande Assembleia dos Povos Guarani e Kaiowá; Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul); e Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste) –, além de organizações indigenistas que apoiam a causa indígena.

Por Caroline Cardoso – Comunicação FVHD

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