Desde a manhã deste sábado, a cidade de Salvador oferece aos deficientes físicos, especialmente cadeirantes, a possibilidade de afastarem o calor com um bom banho de mar. Não que algum dia ele tenha sido proibido, mas a falta de acessibilidade dificultava a tarefa. Agora, o projeto ParaPraia, da Secretaria Cidade Sustentável [comandada por Ivanilson Gomes, do Partido Verde], oferece infraestrutura adequada e acompanhamento profissional para o banho de mar assistido.
A estrutura montada pelo projeto é grande e inclui pistas especiais para o acesso dos cadeirantes, tendas de preparação, cadeiras anfíbias, que facilitam o trajeto na areia e flutuam no mar. Já no primeiro dia, cerca de 30 deficientes se refrescaram na Praia de Ondina com a ajuda de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, salva-vidas, educadores físicos e estudantes da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
De todos os banhistas do dia, o que trouxe a história mais emocionante foi o auxiliar administrativo Luiz Augusto de Santana, 46 anos. Ele ficou paraplégico aos 26 anos, depois de cair da laje da própria casa e sofrer uma lesão na coluna. Tinha acabado de conhecer a auxiliar de dentista Cleonice Santana, hoje sua esposa. Junto com a celebração dos 20 anos de casamento, veio o primeiro banho de mar depois do acidente. “Foi mágico. Foi como se eu tivesse reencontrado alguém que perdi há muito tempo, e que já não esperava achar”, descreveu, com os olhos marejados.
Para a mulher, que acompanhou a luta do companheiro, também não faltou emoção. “Às vezes ele dizia que sentia saudade do mar e eu falava que ia dar um jeito, mas não tinha como. Não tenho quem me ajude a carregar. Fiquei muito realizada.” Agora, Luiz Augusto quer criar um novo hábito. “Vou vir toda semana, ainda mais com esse calor. É uma delícia.”
O mar é de graça, mas a chegada de um cadeirante até lá dá mais trabalho do que se imagina. Começa com o trajeto para a praia, como lembra a presidente da Associação Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), Luíza Câmara. “São muito poucas as linhas de ônibus com acesso adequado para os cadeirantes, especialmente passando pela praia. Mas a prefeitura nova tem apenas um ano e essa já é uma iniciativa excelente. Vamos ter paciência.”
Já na praia, deficientes e familiares sofrem para chegar à areia, especialmente com cadeiras de roda. O acesso ao mar também é difícil, e em geral só acontece se houver quem carregue crianças e adultos até lá. É o caso do jovem Felipe Simões, 19 anos. Paraplégico, ele pratica natação em piscina desde a infância e consegue até ficar no mar sem ajuda. “Mas ser carregado é muito desconfortável, nem sempre há pessoas disponíveis, há muito empecilho”, explica. Com a ajuda da cadeira anfíbia, ele tomou não um, mas dois longos banhos de mar na manhã deste sábado. Como qualquer adolescente, ele ouve dos pais cobranças sobre o filtro solar, mas não reclama. “Foi muito bom. Não dá vontade de sair da água.”
Para a coordenadora do curso de Fisioterapia da EBMSP, Luciana Bilipario, a presença do ParaPraia é essencial para um banho de mar seguro. Ela explica que, apesar da disposição de familiares e cuidadores, o banho de mar para deficientes aumenta o risco de acidentes e novas lesões, por isso precisa ser controlado. “A depender, por exemplo, do tônus muscular, a pessoa pode flutuar muito rápido ou afundar”, explica.
Quem também está satisfeito com a novidade é o paratriatleta Marcelo Collet, 33 anos, colecionador de medalhas e prêmios em sua modalidade. Ele explica que o ParaPraia pode ser uma porta importante para a chegada de novos paratletas na natação de mar aberto e triatlo, especialmente os mais jovens. “A maioria das pessoas, ainda mais numa cidade de praia, não consegue imaginar o que é não poder tomar um banho de mar. Além do prazer, é uma abertura para eles pensarem no esporte”, comemora.
A primeira fase do ParaPraia acontecerá em Ondina, em frente ao Instituto Brasileiro de Reabilitação (IBR), todos os finais de semana até 16 de fevereiro, sempre das 9h às 14h.