Skip to content Skip to sidebar Skip to footer

Brasil vive retrocesso

Após oito anos, o país voltou ao Mapa da Fome da ONU

O Brasil vive um retrocesso. O país voltou ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2022. Mais de 4,1% da população não tem o que comer, de acordo com o Relatório 2022 The State of Food Security and Nutrition in the World (Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Entre 2004 e 2013, durante os governos de Lula e Dilma, as políticas de erradicação da pobreza e da miséria levaram o país a ser referência internacional no combate à fome. O percentual de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave baixou de 9,5% em 2004 para 4,2% em 2013. No ano seguinte, uma das notícias mais comemoradas foi a de que o país havia saído do Mapa da Fome.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014 cerca de 16 milhões de brasileiros tinham rendimento mensal abaixo de ¼ do salário-mínimo (equivalente a R$ 220,00), ou seja, encontravam-se na extrema pobreza. Em 2016, esse número ultrapassou os 24 milhões, cerca de 12% da população. Um aumento de 53% na comparação com 2014.

A situação piorou bastante após o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff em 2016. Sob o comando de Michel Temer e sua política neoliberal de austeridade fiscal, o Estado encolheu, desinvestiu na proteção social e afrouxou leis trabalhistas com a promessa de crescimento econômico.

Durante o governo Temer, a Emenda Constitucional 95 que congelou os gastos públicos com saúde e educação por 20 anos e a Reforma Trabalhista foram medidas cruciais para o acirramento da pobreza, da miséria e da fome no Brasil.

Entre 2017 e 2018, a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE mostrou que quase 85 milhões de brasileiros estavam com algum tipo de dificuldade de acesso a alimentos e quase 11 milhões não tinham o que comer.

“Ao olhar para a fome, é importante lembrar que cada número absoluto representa a vida de uma pessoa. E que mudanças em percentuais de insegurança alimentar — ainda que pareçam pequenas — significam milhões de pessoas convivendo cotidianamente com a fome. A fome afeta e diz respeito a todas as pessoas.”

olheparaafome.com.br

 O avanço da fome: voltamos 30 anos no tempo

Em 2020, o Brasil voltou aos patamares de insegurança alimentar de 2004 (9%) e mais de 19 milhões de brasileiros não tinham o que comer. Em 2022, o percentual ultrapassou os 15% e são mais de 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar no país.

Em quase dois anos, cerca de 14 milhões de brasileiros engrossaram essa trágica estatística. Ao todo, o país tem 33 milhões de pessoas em situação de fome crônica, um milhão a mais do que em 1993, quando o sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, liderou uma das maiores campanhas de combate à fome no Brasil.

Os dados são do Relatório II VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, um monitoramento ativo da segurança alimentar e dos níveis de insegurança alimentar no país durante a pandemia, coordenado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan) e publicado em maio de 2022.

Fonte: pt.org.br

De acordo com o documento, mais da metade da população brasileira (58,7%) encontra-se em situação de insegurança alimentar em algum grau. A cada dez famílias, em média três relatam incerteza sobre o acesso a alimentos em um futuro próximo.

O relatório mostra também que a insegurança alimentar está diretamente relacionada a outras desigualdades. No Brasil, a fome atinge mais os domicílios da zona rural (18,6%), das regiões Norte (25,7%) e Nordeste (21%) e com renda de até ¼ do salário-mínimo (equivalente a R$ 300,00) por pessoa (43%).

Os percentuais são mais altos nos domicílios em que a pessoa de referência está desempregada (36,1%) ou tem algum morador está desempregado (29,6%) e nas famílias em que a pessoa de referência tem entre 0 e 4 anos de estudo (22,3%), é mulher (19,3%) e identifica-se como preta ou parda (18,1%).

Mãos que plantam alimentos e colhem escassez

Para a população rural do Brasil, a situação da fome é ainda mais preocupante. De acordo com o II VIGISAN, mais de 60% dos domicílios rurais encontram-se em insegurança alimentar, sendo que quase 19% dessas famílias estão em situação de fome crônica.

Nas regiões Norte e Nordeste, a fome atinge 54,6% e 43,6% de domicílios da zona rural, respectivamente. Os lares de agricultores familiares foram os mais impactados pelo fim de políticas públicas voltadas para o pequeno produtor: quase 22% deles estão em situação de insegurança alimentar grave.

Não bastasse tudo isso, com Bolsonaro, a invasão e a grilagem de terra avançaram, inclusive em áreas protegidas e em terras indígenas, prejudicando a agricultura familiar. Como consequência, a violência e a pobreza aumentaram e a reforma agrária foi varrida para debaixo do tapete.

“A pobreza das populações rurais, associada ao desmonte das políticas de apoio às populações do campo, da floresta e das águas, continua impondo a fome.”

olheparaafome.com.br

Aumento da vulnerabilidade de crianças e adolescentes

Em agosto, Bolsonaro vetou um reajuste de 34% do valor destinado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2023 aprovada pelo Congresso. O valor segue o mesmo desde 2017.

Atualmente, apenas 26% das crianças de dois a nove anos (uma em cada quatro) fazem três refeições diariamente no Brasil. Mais de três mil entre zero e nove anos morreram de desnutrição em 2021 de acordo com dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) do Ministério da Saúde.

O relatório II VIGISAN chama a atenção para a relação entre a composição familiar e a segurança alimentar. O percentual de segurança alimentar em famílias compostas apenas por adultos é quase três vezes maior (47,4%) do que em famílias com três ou mais moradores de até 18 anos (17,5%).

Famílias compostas apenas por adultos tiveram percentual menor de fome (13,5%) em relação a famílias compostas por três ou mais moradores com até 18 anos (25,7%), por dois moradores de até 18 anos (20,2%) e por um morador de até 18 anos (14,8%). A fome praticamente dobrou entre 2020 (9,4%) e 2021 (18,1%) nas famílias com crianças menores de dez anos.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) vem mostrando os efeitos negativos e imediatos da fome na saúde, no bem-estar, nas potencialidades físicas, sociais e psicológicas de crianças e adolescentes. Esse atual cenário é nefasto para a infância no país, pois contribui para o aumento da vulnerabilidade alimentar e social de crianças e adolescentes.

Bolsonaro e a política aniquiladora da vida

Esse cenário de precarização e empobrecimento da população agravou-se com a chegada de Bolsonaro à Presidência da República. Ele fortaleceu a escalada neoliberal com sua política aniquiladora da vida, crucial para o retorno do Brasil ao Mapa da Fome.

Na contramão dos dados oficiais, o governo e seus apoiadores insistem em negar a fome, além de atribuir à Covid-19 o atual cenário caótico de empobrecimento e insegurança alimentar de mais da metade da população.

Entretanto, uma leitura atenta dos dados e uma observação cuidadosa da realidade demonstram que a pandemia encontrou um Brasil com uma rede de proteção social altamente fragilizada, afetada por cortes orçamentários e extinção de políticas públicas.

Em seu primeiro dia de mandato, por meio da Medida Provisória nº 870/2019, Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Criado em 1993, o órgão era referência internacional no combate à fome a na defesa do direito à alimentação adequada e saudável. Com a mobilização da sociedade civil, o órgão foi restabelecido seis meses depois.

Outra política nefasta do atual governo foi reduzir drasticamente a previsão orçamentária para o Programa de Aquisição de Alimentos (atual Alimenta Brasil), que comprava alimentos provenientes da agricultura familiar e distribuía parte à população ameaçada pela insegurança alimentar e nutricional.

Para se ter uma ideia, mais de um bilhão de reais foi destinado ao Programa em 2012. Seis anos depois, foram apenas R$ 253 milhões. No primeiro ano de governo Bolsonaro, foram R$ 188 milhões, cerca de 16% do valor investido em 2012. O Plano Plurianual 2020-2023 prevê a destinação de cerca de R$ 500 milhões para o combate à insegurança alimentar e nutricional no Brasil em três anos.

E tem mais. Baseado na ideia absurda de que é caro o país manter estoques reguladores, o governo Bolsonaro vem tornando o Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, dependente de importações, portanto sujeito a oscilações de preços do mercado internacional.

Esses estoques são importantes não só em casos de queda na produção ou falta de alimentos no mercado externo devido a crises ou guerras, mas também – e principalmente –, na distribuição de alimentos e no combate à fome da população.

Com o consumo interno represado devido ao empobrecimento, ao desemprego e à fome, esses estoques poderiam ser usados em políticas públicas, como a compra da produção de agricultores familiares e a distribuição para famílias de baixa renda ou sem renda, ambos grupos bastante afetados pela insegurança alimentar.

O combate à fome é um exercício de cidadania

Todos esses dados são especialmente preocupantes quando se verifica que os atuais níveis de indigência da população só encontram eco na década de 1990, quando 32 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Em 1993, vários artistas e intelectuais de todo o país juntaram-se em uma campanha de combate à fome liderada pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho. Essa mobilização, iniciada no Rio, ganhou força com a Carta de Ação da Cidadania que denunciava as condições desumanas em que viviam milhões de brasileiros.

Com a missão de “erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, a partir do combate à fome, à miséria e valorização da vida com dignidade”, foi lançada a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

O organização não-governamental atua por meio de comitês locais em ações conjuntas e integradas pela coordenação nacional, que fica no Rio de Janeiro. Além das ações assistenciais diretas para redução imediata da fome, a Ação da Cidadania mobiliza todos os segmentos da sociedade brasileira na luta por políticas públicas de combate à insegurança alimentar e na busca de soluções para problemas causados pela pobreza e pela miséria.

Em 2021, segundo o presidente do Conselho da Ação da Cidadania, Daniel Souza, “contra todas as previsões, a quixotesca solidariedade deste país arrecadou mais de 17 mil toneladas de alimentos para as campanhas Brasil Sem Fome e Natal Sem Fome, beneficiando cerca de 7 milhões de pessoas”.

Conheça a Ação da Cidadania aqui.

Por Caroline Cardoso – Comunicação FVHD

É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

Fontes:

Ação da Cidadania

O joio e o trigo – Jornalismo investigativo sobre alimentação, saúde e poder

O que colocou o Brasil de volta ao Mapa da Fome da ONU depois de oito anos fora

Olhe para a fome

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

Pesquisa de Orçamentos Familiares

Relatório II VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil

Relatório 2021 Ação da Cidadania

Relatório 2022 The State of Food Security and Nutrition in the World