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Delírio de Serra Pelada completa 40 anos

Já se vão 40 anos de uma luta inglória, uma luta que fez afortunados de um único final de semana, pessoas que, após perderem tudo em um, dois, três dias, voltavam e ainda voltam para encontrar ouro – ou apenas mais uma ilusão.

Os primeiros homens chegaram ali a partir de 1980, ano em que a montanha de ouro foi descoberta. Aquela promessa de Eldorado em meio à floresta amazônica se tornou o maior garimpo a céu aberto do mundo, um lugar onde sonhos e terra desmoronaram em meio à solidão, ao alcoolismo, à prostituição e até mesmo a assassinatos e suicídios. Isso sem contar que tudo começou durante o governo militar, que conduziu o garimpo com mão de ferro.

Com o tempo, a busca foi ficando tão profunda que se tornou impossível para homens sem máquina. Em 1992, com o fechamento, o domínio sobre a área foi transferido para a Vale do Rio Doce, ainda uma estatal. Os milhares de homens-máquina de Serra Pelada ficaram sem emprego: aumentou a pobreza e a violência na região, até que, em setembro de 2002, o Senado reconheceu o direito dos garimpeiros sobre a área, começando aí outra história, porém, não muito melhor que a anterior.

Agora, 40 anos depois, o que resta de Serra Pelada? Destroços de gente e de serra. Um lago de mais de cem metros de profundidade contaminado por mercúrio e velhos garimpeiros, muitos doentes, com Aids, hanseníase, tuberculose, esperando uma indenização do governo – que, provavelmente, nunca virá. Homens que, ainda hoje, se recusam a voltar à sua terra natal com as mãos abanando.

Por que a indenização? O governo, por meio da Caixa Econômica Federal, ficava com o que era explorado, pagando tudo a 70% – portanto, como se o material entregue tivesse 70% de pureza. Mas, ao final da apuração, via-se que a pureza era de 90% e não de 70%. Ou seja, o governo embolsou 20% dos garimpeiros. O que nunca foi pago.

Na época áurea (se assim se pode chamar), Amado Batista esteve por lá e fez um show para aqueles homens enterrados em lama e delírio. Gretchen também. Agora, quatro décadas depois, o cantor retornou a Serra Pelada, com show no último dia 6, um verdadeiro panem et circenses.

Celebrar o quê? Comemorar o quê? A superação do homem sobre si mesmo? A sua decadência e miséria? Seu abandono? Sua entrega a sonhos de fortuna ou, ao menos, de ter o mínimo, de ter dignidade? O que levou e ainda leva tanta gente a Serra Pelada? Somente cada um daqueles homens pode dizer, mas uma coisa é certa: a terra e os homens foram e são explorados até definharem. Para os dois, o que resta é a degradação.

E a nós, nos resta questionar: até quando? O exemplo de Serra Pelada parece não ter servido para muito: ainda hoje, insiste-se na liberação oficial de garimpos poluidores e destruidores de sonhos. O homem se deixa cegar pela ganância, mas a terra e o próprio homem, mais tarde, padecem sob as consequências dessa mesma ganância. Talvez nem terra, nem homem se recuperem no futuro, mas ninguém reflete sobre isso quando ofuscado pela ilusão do ouro.