Dos mais de 60 projetos de mobilidade urbana prometidos entre 2010 e 2013 para as cidades que vão sediar a Copa do Mundo, mais de um terço foi riscado da lista, sobrando 42 empreendimentos. Isso significa que quase R$ 3 bilhões deixaram de ser investidos no setor em obras para o início do Mundial. Já os recursos destinados aos estádios seguiram caminho oposto: dos R$ 5,6 bilhões previstos inicialmente, o número saltou para mais de R$ 8 bilhões. O levantamento foi feito pelo Greenpeace, com informações públicas disponibilizadas pelo governo federal no Portal da Copa.
Os dados foram retirados da Matriz de Responsabilidade, um documento assinado em janeiro de 2010 por governadores e prefeitos das 12 cidades-sede. Nele, se comprometeram com planos de investimento e ações que iriam melhorar a infraestrutura das cidades em vários aspectos, como segurança, telecomunicações e mobilidade urbana. A última atualização do documento oficial é de novembro de 2013. Mas de lá para cá, veículos de imprensa vêm noticiando que a conta dos estádios já beira os R$ 9 bilhões.
“Quando o Brasil foi anunciado como país-sede do maior evento esportivo do mundo, uma antiga promessa voltou à tona: com a Copa, viria o legado da mobilidade urbana. A um mês da bola rolar, milhões de brasileiros continuam esperando essa promessa em metrôs e ônibus abarrotados e caminhando ou pedalando por vias absolutamente precárias”, critica Barbara Rubim, coordenadora da campanha de Clima e Energia do Greenpeace.
Os números das cidades
O legado que não veio pode ser visualizado nos dados. Em 2010, por exemplo, Porto Alegre anunciou, na Matriz de Responsabilidade, 13 projetos para melhorar sua mobilidade. Três anos depois, 11 empreendimentos já estavam fora da lista. De R$ 1 bilhão prometido, apenas R$ 16 milhões estão virando infraestrutura que vai ficar pronta até a Copa. Já os custos com o estádio Beira-Rio quase triplicaram: foram de R$ 130 milhões para R$ 330 milhões, com 85% financiados pelo governo federal.
Em Manaus, a situação é ainda pior. Dos dois empreendimentos de mobilidade urbana previstos para a cidade – num total de R$ 1,5 bilhão –, nenhum vai sair do papel até o início dos jogos. Já o estádio Arena Amazônica, construído com 40% de recursos estaduais e 60% de financiamento do BNDES, teve seus custos ampliados em 30% entre 2010 e 2013: de R$ 515 milhões, o valor foi para R$ 669,5 milhões.
Os custos para colocar de pé a Arena Fonte Nova, em Salvador, também incharam. Inicialmente orçado em R$ 591,7 milhões, o estádio já custa mais de R$ 669,5 milhões aos cofres estaduais – mais da metade levantado por financiamento federal. Já os recursos para projetos de mobilidade minguaram entre 2010 e 2013. Se no início a previsão para o setor era de R$ 567,7 milhões, hoje não passa de R$ 19,5 milhões.
“A discrepância entre os gastos com estádios e com mobilidade demonstram uma inversão de prioridades em que mais uma vez a população sai perdendo. A mobilidade nas cidades continua emperrada e nada democrática”, diz Barbara Rubim, do Greenpeace. “O país está perdendo mais uma oportunidade de atacar um de seus grandes problemas estruturais. Os resultados negativos disso superam de longe os investimentos necessários para oferecer à população transporte público de qualidade e infraestrutura adequada para ciclistas e pedestres”.
Enquanto as emissões de gases estufa do setor brasileiro de transportes crescem sem freios – foram 143% de aumento entre 1990 e 2012 – as mudanças climáticas mostram sua face. Secas no Sudeste, enchentes no Norte e outros eventos climáticos extremos ao redor do mundo causam tragédias, afetam milhões de pessoas dão incontáveis prejuízos e indicam que estamos caminhando na contramão.
“Quando a Copa passar, os problemas vão continuar. Já passou da hora de os governos saírem das promessas e encararem de frente uma demanda que está colocada muito claramente pela população. Os brasileiros não merecem ficar horas no trânsito todos os dias, esperar por metrôs e ônibus lotados e pedalar por vias precárias”, diz Barbara. “A imobilidade urbana que temos atualmente faz mal para a população e para o clima do planeta”.
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