“Dias mulheres virão”: a luta política feminina movida pela esperança em dias melhores
“Dias mulheres virão”. Uma frase recorrente nos cartazes feministas em manifestações do Dia Internacional das Mulheres dos últimos anos reflete a urgência delas, movidas pela esperança em dias melhores, em lutar contra o governo fascista de Jair Bolsonaro, manter e ampliar direitos, promover a igualdade de gênero e participar efetivamente da política.
Muitos consideram abrangentes e visionárias essas agendas políticas das mulheres, pois ainda é comum naturalizar a ausência feminina em cargos de liderança. E, assim, continuamos imersos em uma cultura masculinizada em que os postos de poder ainda são massivamente ocupados pelos homens com consequentes vantagens como mais experiência em liderança, maior credibilidade, maiores salários e acentuada ascensão.
Quando elas chegam ao poder, se veem limitadas a trabalhar apenas com determinadas pautas como educação, saúde e assistência social. Também são constantemente depreciadas e descredibilizadas por apresentar características e habilidades próprias, o que obriga muitas delas a adotar estilos de liderança considerados masculinos.
Mas existem estudos que mostram que a liderança feminina qualifica os processos de tomada de decisões políticas. Uma pesquisa divulgada pela ONU Mulheres sobre conselhos locais liderados por elas mostrou que, na Índia, o número de projetos de água potável em áreas com conselhos liderados por mulheres era 62% maior do que naquelas em que os conselhos eram liderados por homens e, na Noruega, foi encontrada uma relação causal direta entre a presença feminina nos conselhos municipais e a existência de creches.
Movimento estudantil como porta de entrada para a política
Para muitas mulheres, a caminhada política se inicia na vida escolar ou universitária, quando há a oportunidade de experienciar postos de liderança e de resolver problemas mais pontuais, mais locais.
Além disso, é uma ocasião em que se pode aprender a ouvir e acolher demandas para pensar em soluções que vão ao encontro dos anseios da comunidade estudantil. É, portanto, um momento crucial de exercer a responsabilidade pelo coletivo.
Essa foi a porta de entrada na política para a Secretária Nacional de Mulheres do PV, Shirley Torres: “Me interessei pela política em 1982. Não partidária, mas universitária”.
Shirley Torres
Secretária Nacional de Mulheres do Partido Verde
Foto: Waldeilson Sousa
A paraense Cristina Vasconcelos Nunes, primeira mulher a assumir a presidência do Partido Verde (PV) em Belém, no Pará, também iniciou sua caminhada assim. “A política entrou na minha vida na universidade, quando comecei a militar nos centros acadêmicos. A política partidária veio bem depois, no momento em que percebi que sozinha não conseguiria buscar direitos. Hoje, tenho a plena certeza de ter feito a escolha certa”.
Ocupando os partidos políticos
As mulheres já entenderam que precisam não só entrar, mas também exercer liderança nos partidos. E sabem que o sistema político-partidário brasileiro apresenta uma série de obstáculos para que isso se efetive.
Para Shirley Torres, “os partidos políticos são as principais ferramentas de participação política para quem quer concorrer a cargos eletivos. Só que, novamente, o fator sub-representação também recai nessas instâncias: as mulheres formam a maioria das filiadas, mas, ainda assim, ocupam menos espaços de poder do que os homens”.
Para muitos, pode parecer ilusória a sub-representação das mulheres em espaços políticos de poder já que elas figuram em maior número nas universidades, nas escolas e em algumas empresas, no entanto a distribuição igualitária de poderes dentro dos partidos ainda está muito aquém do que deveria.
E, por acreditarem que existe um equilíbrio de gênero, é menos provável que os homens pensem sobre a necessidade de empoderamento de grupos minorizados e de políticas públicas de igualdade de gênero, além de ser mais provável que eles elejam seus pares.
Cristina Vasconcelos Nunes
Primeira presidenta do PV-PA
Foto: Cabron Studio
“Ser mulher na política não é simples, mas cada conquista feminina em busca de políticas públicas voltadas para as mulheres nos dá a certeza de estar no caminho certo. Ver mulheres sendo capacitadas e ocupando espaços antes masculinos dá uma sensação de dever cumprido.”
Cristina Vasconcelos Nunes
Vencendo obstáculos
Algumas explicações para a ainda reduzida participação feminina em postos políticos de poder são as normas e expectativas de gênero (mulheres são cuidadoras, restritas ao espaço privado) e as raras oportunidades de formação em liderança partidária para elas dentro dos partidos políticos. Isso para citar apenas duas.
Segundo a advogada Ilka Teodoro, a primeira mulher e negra a administrar o Plano Piloto de Brasília-DF, uma das funções mais prestigiadas no Governo do Distrito Federal, algumas das principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres na política são “a exigência de capital político para uma eleição, a dificuldade de acesso a recursos financeiros, a falta de democracia interna nos partidos, as regras eleitorais, a violência de gênero e o racismo”.
Ilka concorreu a uma vaga na Câmara Legislativa do Distrito Federal em 2018 pelo Psol, mas não foi eleita. Ela é ativista pelas causas feministas e atuante em espaços importantes da capital como a Ordem dos Advogados do Brasil.
Ilka Teodoro (sem partido)
Primeira mulher e negra a administrar o Plano Piloto de Brasília-DF
Foto: Emanuelle Sena
“Sonho com o dia em que as mulheres se sintam representadas ao ponto de mulher só votar em mulher.”
Ilka Teodoro
Valorizar cada conquista
Quando em cargos de liderança política, mesmo em linhas partidárias opostas, as mulheres demonstram muita capacidade de agregar lutas por meio da constituição de bancadas parlamentares exclusivamente femininas para defender os interesses da população, em especial dos grupos minorizados.
Cristina Vasconcelos é um exemplo de mulher poderosa que faz questão de frisar a importância das conquistas femininas. Ela foi a primeira mulher a ocupar a presidência municipal do PV de Belém-PA e, como secretária de mulheres do partido naquele estado, acompanhou e apoiou a trajetória política de várias mulheres que decidiram sair “do anonimato político”, chegando a postos de presidentas de partidos, vereadoras, secretárias municipais e estaduais.
A secretária nacional do PV Mulher Shirley Torres, eleita em 2016, também faz questão de deixar muito clara a importância de suas conquistas na vida política. “Minhas maiores conquistas foram no campo do empoderamento das mulheres por todo o país. Visitei todos os estados brasileiros levando palestras e fortalecendo as executivas estaduais com secretárias comprometidas com nossa luta por mais mulheres na política”.
Ainda que reduzida, a atuação das mulheres na vida política, um lugar historicamente negado a elas, é uma grande conquista e demonstra que, em pleno século 21, a luta para transformar esse contexto de desigualdades, opressões e silenciamentos continua firme e forte. “Que ótimo ter sido a primeira, mas que eu não seja nem a única, nem a última”, conclui Ilka Teodoro.
O tamanho da desigualdade de gênero na política
Segundo a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), se o ritmo de desigualdade de gênero em posições de poder continuar como hoje – em 2021 havia apenas 26 mulheres atuando como chefes de Estado e/ou de governo no mundo – a paridade talvez seja alcançada em 2152, daqui a 130 anos.
De 193 países reconhecidos pela ONU, apenas 14 alcançaram 50% ou mais de mulheres em gabinetes ministeriais, sendo mais comumente ocupadas por elas as pastas família, crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência; assuntos sociais; meio ambiente, recursos naturais e energia; emprego, trabalho e formação profissional; assuntos femininos e igualdade de gênero.
Quatro países atingiram paridade em suas câmaras federais – Ruanda com 61%, Cuba e Bolívia com 53% e Emirados Árabes Unidos com 50% – e 19 países atingiram 40%. Mais de dois terços desses países instituíram cotas de gênero de modo a promover a participação feminina na política. Ainda assim, em 27 países as mulheres representam menos de 10% dos deputados e em quatro deles não há uma deputada sequer.
Em 133 países analisados, as mulheres representam 36% dos membros eleitos em órgãos deliberativos locais, em dois países elas são 50% e apenas em 18 países esse número supera os 40%. Entre funcionários públicos de alto nível e representantes internacionais do governo, as mulheres também estão sub-representadas.
Para a conquista de uma genuína democracia, é crucial a paridade de poder entre mulheres e homens na política partidária e nas tomadas de decisão. Tanto que essa é uma das metas acordadas na Declaração e Plataforma de Ação de Pequim em 1995 por representantes de 189 países.
A maioria desses 189 países representados em Pequim 1995 ainda está longe de atingir a (até parece que muito ambiciosa) meta da igualdade de direitos e oportunidades em todas as instâncias da sociedade, principalmente na política partidária.
Em pleno século 21, as mulheres precisam continuar lutando por oportunidades em cargos de liderança e poder, tanto em governos quanto em empresas, quando simplesmente poderiam estar ocupando um espaço de direito para trabalhar em prol das próprias demandas.
Por Caroline Cardoso