Skip to content Skip to sidebar Skip to footer

No Mês do Consumo Consciente, um olhar sobre a obsolescência programada

Entenda como a indústria e a publicidade promovem o consumismo, gerando prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, e por que ações individuais não resolvem a crise climática

Até bem pouco tempo, a mobília de uma casa raramente era trocada e costumava-se consertar as coisas. Hoje em dia, independentemente de preço, marca ou origem, os produtos não têm tanta durabilidade e apresentam defeito mais rápido do que o fim das prestações feitas para comprá-los.

Além disso, todo ano, camuflados sob o discurso do avanço tecnológico, surgem novos modelos de carro, celular, computador, game, eletrodoméstico, sofá, brinquedo, televisor etc. etc. etc. Troca-se uma cor, muda-se um logo, acrescenta-se outro processador e… É novo! Isso somado ao psicologizado mercado publicitário, que nos bombardeia dia e noite com seus filmes lindamente produzidos e que praticamente empurram as pessoas a consumir todo ano o equipamento mais novo, ainda que o atual esteja em perfeito estado de uso.

Na verdade, os produtos hoje são projetados para se tornar obsoletos ou parar de funcionar em um determinado período de uso, em geral, bem menor do que os produtos de antigamente. Essa prática intencional das indústrias é a obsolescência programada. As empresas lançam, deliberadamente, produtos que precisarão ser descartados e substituídos por novos em pouco tempo.

E é esse círculo vicioso de produção e consumismo que está destruindo o planeta. Não adianta economizar água, separar o lixo ou comer somente orgânicos, por exemplo, apenas no nível individual. A força para parar esse círculo vicioso e, consequentemente, a destruição do planeta, deve ser coletiva e no sentido de mudanças no modo de produção. Ações individuais são muito importantes, mas elas não vão deter a crise climática sem a adesão das indústrias.

Nadando no plástico

Uma prova de que ações individuais ou de pequenos grupos não serão capazes de retrair a crise climática sem uma mudança radical nos padrões industriais de produção são os números. Em uma matéria de julho deste ano, mostramos que o movimento Plastic Free July® (Julho sem Plástico), surgido há dez anos na Austrália para conter o uso cotidiano do plástico, já mobilizou cerca de 326 milhões de pessoas em 177 países, conseguindo reduzir em 23 kg os resíduos gerados por pessoa ao ano. Isso corresponde a 825 milhões de quilos de plástico que deixaram de ser descartados no meio ambiente.

“Um estilo de vida descartável era um sinal de modernidade.”

Atlas do Plástico 2020

Ainda assim, todos os dias vemos pesquisas sobre os prejuízos que o aumento do volume de plásticos nos oceanos, rios, lagos, bueiros, vem gerando, em especial para o ecossistema marinho. Com tantas pessoas envolvidas em ações assim, como o mar de plástico só cresce? É urgente fazermos essa reflexão.

O consumo de plástico foi velozmente impulsionado no fim da década de 1950 pela necessidade industrial de reduzir custos – o plástico é mais barato – e simplificar as cadeias de suprimentos. Surgiu, assim, a cultura do descartável – segundo o Atlas do Plástico 2020, “um estilo de vida descartável era um sinal de modernidade” (p. 14) – e, com ela, chegamos à catástrofe climática em que nos encontramos.

Também de acordo com o Atlas do Plástico 2020, em 2019, pela primeira vez, 32 das maiores empresas de bens de consumo do mundo divulgaram a quantidade de resíduos de embalagens plásticas gerados em suas fábricas. A Coca-Cola foi líder disparada naquele ano: três milhões de toneladas.

Fonte: Atlas do Plástico 2020, p. 15

Prejuízos estimados

Segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, lançado pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), nos últimos dez anos, a geração total de resíduos sólidos urbanos no Brasil cresceu 19%, saltando de 67 milhões de toneladas por ano para 79,6 milhões de toneladas por ano. A projeção para 2050 mostra que a produção de lixo deve crescer mais 50% e poderá alcançar 120 milhões de toneladas por ano – esse adicional é suficiente para dar duas voltas ao redor da Terra.

O perfil desses resíduos também mudou, com uma redução dos orgânicos e um aumento dos recicláveis secos, em que predomina o plástico – mais de 13 milhões de toneladas descartadas ao ano no país, de acordo com a Abrelpe.

Também houve um aumento de 16% no volume de resíduos com destinação inadequada – passou de 25 milhões de toneladas por ano em 2010 para pouco mais de 29 milhões de toneladas por ano em 2020. Os prejuízos dessa destinação inadequada para a saúde dos brasileiros e para o meio ambiente são estimados em um bilhão de dólares por ano.

Fonte: Pixabay

A gravidade do problema só piora quando adicionamos a essa equação os resíduos eletroeletrônicos – equipamentos descartados ou obsoletos. Eles são compostos de metais perigosos e de difícil degradação. Descartados inadequadamente, têm causado sérios problemas em todos os biomas.

O Brasil é o quinto maior gerador de resíduos eletroeletrônicos do mundo e o segundo maior do continente americano – em primeiro, estão os estadunidenses –, segundo o Panorama publicado pela Abrelpe/ISWA. Os brasileiros geraram, em 2019, mais de dois milhões de toneladas de resíduos eletroeletrônicos – mais de 10 kg por habitante. Em escala mundial, esse número deve atingir, em 2021, mais de 50 milhões de toneladas de smartphones, tablets, televisores, lâmpadas, relógios, notebooks etc. etc. etc.

Diante desses números, fica nítida a importância de se repensar o atual sistema econômico, baseado no lucro e na exploração das pessoas e do meio ambiente, que alimenta um círculo vicioso de autodestruição. Precisamos de ações coletivas com base em profunda reflexão e ação. Agir individualmente é necessário e importante, mas agir coletivamente para pressionar governos e indústrias a romper esse círculo vicioso de produção e consumismo, sob pena de desaparecermos, é urgente.

Uma das formas de driblar esse modelo de consumo provocado, entre outras coisas, pela obsolescência programada é adotando atitudes como: refletir sobre a real necessidade de nossas compras; evitar trocar equipamentos e objetos que ainda estão em condição de uso; aplicar nosso dinheiro em produtos mais duráveis; nos informarmos bem sobre o produto que queremos comprar; consultar a empresa e o fabricante em sites de reclamações e órgãos de defesa do consumidor; e descartar corretamente os resíduos – isso em nível individual. Em nível coletivo, estudar e compartilhar conhecimentos sobre os efeitos da crise climática; promover ações de conscientização sobre produção, consumo e direitos; pressionar autoridades e empresas a cumprir acordos climáticos de maneira séria e ética; exigir a criação de leis mais rígidas de taxação mais alta tanta para manufaturados quanto para industrializados.

Para se aprofundar no assunto:

Vídeo Desenvolvimento sustentável, de Rita Von Hunty.

Vídeo Forget shorter showers (Esqueça os banhos curtos), de Jordan Brown e Masao Tamaoki, baseado no ensaio homônimo do ambientalista Derrick Jensen.