Pelo menos um terço das ameaças à biodiversidade em todo o mundo estão vinculadas à produção para o comércio internacional.
A correlação entre a cesta de compras dos países mais consumidores e as severas pressões que massacram os tesouros naturais foi traçada com clareza no estudo divulgado esse mês pela revista Nature Ecology & Evolution. O estudo pioneiro mostra a grande responsabilidade do comércio global na extinção maciça de espécies no mundo. Para isso, foram mapeados locais do planeta onde há quase 7.000 espécies ameaçadas, estabelecendo sua conexão com a cadeia de consumo nos EUA, China e Japão. Dessa forma, foi possível ver facilmente como os animais sob risco em determinados pontos do planeta sofrem com a demanda de bens por parte dos grandes consumidores.
De acordo com o secretário-geral da organização WWF na Espanha, Juan Carlos del Olmo, o planeta inteiro se tornou uma fazenda, “tudo está a serviço de fornecer cada vez mais bens”, critica . De acordo com o estudo, o cafezinho que alguém toma nos Estados Unidos está ligado ao desmatamento da América Central, local onde o café é cultivado e é o habitat do macaco-aranha, o mais ameaçado do planeta. Ainda de acordo com del Olmo, “o maior vetor de destruição da biodiversidade é a produção de alimentos numa escala brutal”.
Keiichiro Kanemoto, da Universidade de Shinshu e um dos autores do estudo afirma que o mapa elaborado no estudo pode ajudar empresas a fazerem uma cuidadosa seleção dos seus insumos e assim aliviar os impactos sobre a biodiversidade. “Precisamos ver de onde importamos e onde estão as espécies ameaçadas”, declarou Kanemoto.
Segundo o pesquisador, se as empresas oferecerem informações em seus produtos sobre as ameaças a espécies nas cadeias de suprimento, os consumidores poderão escolher em seu cotidiano produtos favoráveis à biodiversidade.
O estudo de Kanemoto e seus colegas ressalta como é inesperada a aparição da Espanha como uma região com grandes problemas de biodiversidade por culpa do consumo fora das suas fronteiras. Os pesquisadores apontam especificamente o lince, que reina no Parque Nacional e Natural de Doñana, no sul do país e que chegou a ser o felino mais ameaçado da Terra, entre outros motivos pela perda de hábitat. “Do ponto de vista da biodiversidade, a Espanha é o Bornéu da Europa. Nas grandes espécies a briga está acontecendo, mas a biodiversidade pequena – anfíbios, aves e peixes – está desaparecendo a uma velocidade brutal”, lamenta Del Olmo.
O diretor do WWF na Espanha cita como exemplo os morangos. A água que dava de beber à marisma de Doñana é atualmente usada nos milhares de hectares de cultivo de morangos. Essa área responde por 60% do cultivo da fruta na Espanha e metade da água usada vem de poços ilegais que secam o entorno. De acordo com Del Olmo, o uso brutal da água e do território, o impacto da agricultura para exportar produtos a todo o mundo, deixa os aquíferos secos. “Não notamos, mas o impacto é impressionante”, explica. E acrescenta: “Por isso dizemos às grandes redes varejistas: não comprem de quem usa poços ilegais e está destruindo a biodiversidade. Premiem quem faz direito”.
O Brasil também aparece no estudo e, segundo os autores, apesar da grande atenção dedicada à Amazônia, o principal foco de ameaça aos tesouros naturais do Brasil não está na Amazônia. “Apesar da grande atenção dedicada à selva amazônica, o rastro norte-americano no Brasil é maior no sul, no planalto brasileiro, onde há práticas agropecuárias extensivas”, ressalta o trabalho.
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