A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deixou claro a incompetência do Estado para assegurar o direito básico que é a educação. A PEC, que reduziu de 18 para 16 anos a maioridade penal e se arrastava na Câmara há 22 anos é, no mínimo, um debate complexo, além de se mostrar ineficaz para solucionar a violência e a criminalidade no Brasil. Lotar ainda mais os presídios com jovens, em sua grande maioria negros, que tem uma vida pela frente e que com educação são capazes de reverter o quadro social do país, certamente não é a solução. O sistema prisional brasileiro é inchado e suas taxas de reincidência batem nos 70%.
Aprovada por 42 deputados contra 17 contrários à PEC, o texto segue para análise de uma comissão especial a ser formada e pode demorar até 40 sessões para ter um resultado. Além disso, terá de passar por duas votações no plenário da Câmara. Segundo dados do Ministério da Justiça de 2011, menos de 1% dos homicídios foram cometidos por menores de 18 anos. Do total de jovens que cumprem medidas socioeducativas, a maioria cometeu crimes patrimoniais como furto e roubo (43,7% do total). Para confrontar ainda mais a aprovação dessa PEC, nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência, além disso, países como Espanha e Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.
Segundo o entendimento do desembargador Paulo Sérgio Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, primeiro negro a ocupar o cargo no TJ-RJ, a aprovação da redução de 18 para 16 anos alcança justamente quem deve ser protegido pelo estado. A lei só reforça a exclusão social. “Menores de 18 anos de famílias abastadas, blindados pelo sistema, mesmo que “culpados”, jamais irão para a cadeia. O que precisamos não é de redução da maioridade penal e sim de programas efetivos de inclusão social”, afirmou enfaticamente o jurista em entrevista concedida ao site Pragmatismo Político.
Atualmente, os adolescentes são mais vítimas do que autores de atos de violência. Dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Na verdade, são eles, os adolescentes, que estão sendo assassinados sistematicamente. O último Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) realizado em 2012 nas cidades com mais de 100 mil habitantes estimou que mais de 42 mil adolescentes poderão ser vítimas de homicídios até 2019. A IHA mostrou ainda que adolescentes negros ou pardos possuem aproximadamente três vezes mais probabilidade de serem assassinados do que adolescentes brancos. Reafirmando esses dados, o “Mapa da Violência 2012 e 2013” afirma que a vitimização dos jovens negros aumentou sistematicamente de 71,7% em 2002 para 154% em 2010.
Durante a votação da PEC, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enviou um comunicado contrário à medida, por considerar que ela viola direitos e garantias individuais. Outras entidades, como o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), o Conselho Federal de Psicologia e Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) também se opõem à medida.
Uma lei para a punição de adolescentes já existe, no entanto, precisa ser cumprida. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional. O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.
Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.
Para o Estado é mais fácil prender do que educar.
Larissa Itaboraí