Skip to content Skip to sidebar Skip to footer

Relatório do IPCC alerta para efeitos irreversíveis das mudanças climáticas

A Fundação Verde Herbert Daniel conversou com Claudio Angelo, do Observatório do Clima, sobre o documento publicado no início deste mês

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado no início deste mês (9/8), aponta para o avanço cada vez mais acelerado e para alguns efeitos irreversíveis das mudanças do clima. O IPCC, criado pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1988, desde 1990 publica relatórios com avaliações regulares de base científica sobre as mudanças climáticas, seus impactos, riscos e opções para mitigação e adaptação. Atualmente conta com 195 países-membros. 

A Fundação Verde Herbert Daniel conversou sobre o relatório com Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima e autor do livro A espiral da morte – como a humanidade alterou a máquina do clima (Companhia das Letras, 2016). Para ele, “as pessoas já estão conscientizadas; os líderes políticos é que não estão. Mas a ficha está caindo para eles”. Leia a entrevista na íntegra.

Crédito: Guto Martins/Observatório do clima

 

Fundação Verde: Este mês (9/8), foi publicado o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O documento vem sendo considerado a advertência mais séria feita em relação às catástrofes climáticas. O que esses constantes aumentos de temperatura significam para a segurança dos seres vivos a curto prazo?

Claudio Angelo: Depende de quais seres vivos se está falando. Se consideramos, por exemplo, os recifes de coral e os ecossistemas de montanha, significa extinção, em todo ou em parte. O combo de ondas de calor marinhas (até 94% delas causadas por influência humana) e acidificação está causando a mortalidade maciça de corais muito antes do que o IPCC estimava, em 2007, que ocorreria. A mudança vem ocorrendo mais rápido do que o tempo de adaptação da maioria das espécies. Se no fim da última glaciação – um aquecimento global que levou centenas de anos para acontecer – extinguiu-se grande parte da megafauna do Pleistoceno, um aquecimento de dezenas de anos, ainda mais agravado pela intervenção maciça em ecossistemas, tende a ter efeitos muito mais graves.

Fundação Verde: Segundo o relatório, o atual estágio de aquecimento em que nos encontramos provocou mudanças climáticas irreversíveis. Se, por exemplo, começássemos a redução das emissões de gases hoje, os efeitos nas temperaturas seriam sentidos em até quanto tempo?

Claudio Angelo: O IPCC diz que, entre 2021 e 2040, vamos ultrapassar 1,5 °C, o limite seguro estabelecido no Acordo de Paris. Não é seguro coisa nenhuma, como estamos vendo, ano após ano, com os eventos extremos que se multiplicam, mesmo com o aquecimento atual de 1,1 °C. Mas, a partir de 1,5 °C, os efeitos começam a ficar muito mais difíceis de administrar. No melhor cenário, conseguimos baixar para 1,4 °C no final do século.

“O IPCC diz que, entre 2021 e 2040, vamos ultrapassar 1,5 °C, o limite seguro estabelecido no Acordo de Paris. Não é seguro coisa nenhuma, como estamos vendo, ano após ano, com os eventos extremos que se multiplicam”

Claudio Angelo, do Observatório do Clima

Fundação Verde: As consequências da catástrofe climática são evidentes: ondas de calor na Grécia e no oeste da América do Norte, inundações na Europa e na China, incêndios florestais e temperaturas recordes na América do Norte, neve na região Sul do Brasil. O que falta para que as pessoas se conscientizem, mudem de postura e essa situação não chegue ao nível em que a vida na Terra seja insustentável?

Claudio Angelo: O capitalismo parece ter percebido que sua sobrevivência depende do combate à crise do clima, daí o grande empenho político recente de EUA, China e Europa em combater as emissões. As pessoas já estão conscientizadas; os líderes políticos é que não estão. Mas a ficha está caindo para eles.

Fundação Verde: No relatório do IPCC, pelo menos cem cientistas de vários países apresentaram os impactos das altas temperaturas para a vida no planeta, além de políticas de mitigação que podem ajudar os signatários do Acordo de Paris 2015, incluindo o Brasil, a cumprir a meta de manter a temperatura global abaixo de 1,5 °C. Nosso país sempre teve um papel de destaque nas negociações internacionais do clima. Que políticas vêm sendo adotadas pelo governo brasileiro para cumprir o Acordo de Paris?

Claudio Angelo: Nenhuma. Ao contrário, o governo brasileiro estimula emissões ao incentivar o desmatamento na Amazônia, botar 8 GW de gás na privatização da Eletrobras e baixar, no dia do lançamento do relatório do IPCC, um programa de incentivo ao carvão.

Fundação Verde: Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o índice de devastação da Amazônia em 2020 foi o maior registrado nos últimos dez anos. O senhor acredita que, com esses resultados trazidos pelo relatório do IPCC, o Brasil sofrerá maior pressão internacional para reduzir o desmatamento da Amazônia? 

Claudio Angelo: Sim, mas nenhuma ação ocorrerá enquanto Jair Bolsonaro for presidente.