É fundamental ter acesso à informação e disponibilidade de ouvir e acolher o outro sem julgamento
O Setembro Amarelo é uma campanha para falar sobre suicídio e diminuir o tabu em relação ao assunto. O lema da edição 2022 – A vida é a melhor escolha! – tem o propósito de chamar a atenção para a necessidade de todas as pessoas atuarem ativamente na conscientização sobre a importância da vida.
No Brasil, o movimento começou há sete anos, encabeçado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização da Vida (CVV).
Apesar de o mês de setembro ter sido escolhido como marco para a causa, é importante frisar que informações sobre prevenção e opções de tratamento devem ser continuamente disseminadas.
Quanto mais as pessoas conhecerem e conversarem sobre o assunto, mais saberão como agir quando alguém demonstrar interesse no autoextermínio e mais vidas poderão ser salvas.
O que pode levar ao suicídio
Segundo a psiquiatra Nathália Arruda, várias podem ser as causas de suicídio, porque “cada pessoa que comete esse ato tem uma motivação ou história de vida única”.
Ela enfatiza a importância de não generalizar, já que muitas pessoas praticam o ato em consequência de algum tipo de transtorno mental, mas o contexto também pode influenciar na decisão.
“Existem casos de suicídio que são consequências de atitudes impulsivas ou frustrações externas, como prejuízo financeiro, desilusão amorosa, uso e abuso de drogas.”
Nathália Arruda/Reprodução
De acordo com a cartilha Suicídio: informando para prevenir, lançada em 2014 pela ABP e pelo CFM, o ato de tirar a própria vida não deve ser considerado “de forma casual e simplista”, limitado a um acontecimento pontual na vida da pessoa, pois é “resultado de uma complexa interação de fatores psicológicos e biológicos, inclusive genéticos, culturais e socioambientais”.
Também é preciso entender que a história da pessoa e todas as emoções acumuladas por ela ao longo da vida podem confluir para um sofrimento intenso que pode levá-la ao suicídio. Compreender tudo isso é fundamental para romper o estigma e detectar precocemente uma pessoa com potencial inclinação a tirar a própria vida.
Conhecer o assunto para romper o preconceito
Na cartilha, o suicídio é definido como “um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal”.
O documento traz informações valiosas para que as pessoas consigam entender os possíveis sinais, que culminam ou não no autoextermínio, e romper o preconceito em relação ao assunto.
A maior parte dos casos de suicídio começam com comportamentos suicidas como pensamentos, planos e tentativas. No Brasil, dados relativos à prevalência de comportamentos suicidas ao longo da vida mostram, por exemplo, que 17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram em tirar a própria vida.
Por se sentirem julgados, muitos potenciais suicidas não buscam ajuda a tempo de evitar o ato em si. “Uma pequena proporção dos comportamentos suicidas chega ao nosso conhecimento.”
Então, é necessário um esforço coletivo para desconstruir o tabu em relação ao suicídio. Assim, as pessoas terão segurança para procurar informações e ajuda especializada além de, claro, conversar abertamente sobre a própria saúde mental.
Barreiras para a prevenção
E por que há tanta dificuldade de se falar no assunto e, dessa maneira, aumentar as chances de prevenção? Uma das maiores barreiras para a prevenção ao suicídio é o estigma relacionado a ele.
Por muitos séculos, devido ao parco conhecimento científico sobre saúde mental e a questões morais, religiosas e culturais, o suicídio era considerado pecado. Assim, potenciais suicidas sempre foram julgados e tiveram seus sentimentos desqualificados.
E, embora a ciência tenha se desenvolvido de forma considerável nos últimos anos, infelizmente, o preconceito ainda está muito arraigado em nossa sociedade.
O importante papel das redes de apoio
A prevenção do suicídio perpassa as redes de apoio (familiares e amigos) e de saúde, além de outros setores da sociedade, pois, para detecção, avaliação e auxílio a um potencial suicida, deve ser considerada uma confluência de fatores biológicos, psicológicos, históricos, políticos, sociais, culturais e econômicos.
Movimentos como o Setembro Amarelo, atendimentos como os do CVV, disponibilidade para a escuta ativa da pessoa em sofrimento ou propensa ao autoextermínio, sem julgamentos, são formas bastante importantes no combate ao problema.
De acordo com Nathália Arruda, ao se dispor a ouvir alguém nessa situação, é preciso evitar a desqualificação dos sentimentos com “conselhos” como “vai passar, basta querer”, “isso é fraqueza espiritual” ou coisas do gênero.
A psiquiatra também ressalta que uma crença bastante comum é a de que perguntar diretamente à pessoa se ela quer morrer e se pensa em se matar aumenta as chances de isso acontecer. No entanto, essa pergunta pode ser uma porta aberta para que o pedido de ajuda venha.
Se a pessoa manifesta dificuldade de suportar o sofrimento e verbaliza a vontade de morrer, o mais indicado, indica Nathália, é buscar ajuda especializada. Nesse estado, ninguém deve ficar sozinho. E ter uma rede de apoio é crucial.
Ainda segundo Nathália, caso haja evidência de risco imediato de a pessoa tentar tirar a própria vida, enquanto ela não for levada a um serviço de emergência, o ideal é que seja mantida longe de objetos cortantes, remédios, venenos, armas, janelas em locais altos, cordas e tudo que possa ser usado para praticar o ato.
E, para a psiquiatra, é muito importante que o tratamento especializado seja seguido à risca. “Caso você tenha um diagnóstico de transtorno mental, o que mais pode evitar o suicídio é a boa adesão ao tratamento (farmacológico e não farmacológico), que visa controlar os sintomas e fazer com que o paciente fique o mais funcional possível.”
Além das redes de saúde e de apoio, também são necessárias ações governamentais efetivas para a diminuição das taxas de suicídio, com políticas públicas que garantam qualidade em todos os aspectos da vida.
O que mostram as estatísticas
Todo ano, o suicídio figura na lista das 20 principais causas de morte no mundo entre pessoas de todas as faixas etárias segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O relatório Estatísticas mundiais de saúde 2021: monitoramento da saúde para os ODS – metas de desenvolvimento sustentável, da OMS, publicado em 20 de maio de 2021, mostra que as mortes globais por suicídio totalizaram mais de 700 mil pessoas em 2019, praticamente um suicídio a cada 40 segundos.
O documento também mostra que a taxa bruta de suicídio nas Américas em 2019 foi de 12,8 por 100 mil habitantes. No Brasil, foram mais de 108 por 100 mil habitantes.
Aqui, o suicídio é a segunda principal causa de morte de jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio no país envolviam pessoas com transtornos mentais.
De acordo com a entidade, mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária, câncer de mama, guerras e homicídios. Também morrem duas vezes mais homens do que mulheres, e adultos mais velhos são os mais propensos a cometer o ato.
Ainda assim, a mediana global de orçamento da área da saúde destinado à saúde mental em 2017 foi menor que 2% e, em 2020, dos 194 países-membros da ONU, somente 35 assumiram ter políticas, estratégias e planejamentos de prevenção em saúde mental.
Seja rico, seja pobre, todo país tem registros de suicídio, porém 77% dos casos ocorrem em países de renda média e baixa. Nos países de renda alta, o suicídio tem forte ligação com transtornos e doenças mentais, mas muitos casos ocorrem em momentos de crise, por impulso.
Por Caroline Cardoso – Comunicação FVHD
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Fontes:
Cartilha Suicídio: informando para prevenir
Live life: an implementation guide for suicide prevention in countries da OMS