Taxonomia Sustentável Brasileira: o novo alicerce da transição verde

📘 Por Allan Moreno Magri
Gerente Administrativo-Financeiro e Coordenador de Projetos – Fundação Verde Herbert Daniel
Especialista em ESG, Sustentabilidade e Governança
🔗 http://www.linkedin.com/in/allanmagri-esg

1. Introdução: o tempo da coerência

O Brasil vive um ponto de virada. Falar em desenvolvimento sustentável deixou de ser apenas discurso — agora é critério de acesso a crédito, investimento e credibilidade.
E é nesse cenário que surge a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), um marco regulatório que define com precisão o que é, de fato, uma atividade sustentável no país.

Em tempos de polarização e “greenwashing”, a taxonomia chega como bússola para quem quer fazer a coisa certa — e ser reconhecido por isso.
Como gestor e estudioso de ESG, acredito que a TSB representa mais do que uma norma: ela é a gramática do futuro econômico do Brasil.

2. O que é a Taxonomia Sustentável Brasileira

A TSB é um sistema de classificação nacional que estabelece critérios técnicos, científicos e objetivos para identificar atividades econômicas que contribuem efetivamente para objetivos ambientais e sociais sustentáveis.

Em outras palavras: é o instrumento que separa o “discurso verde” da ação verde.
Ela foi proposta pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, sob coordenação do Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira (CITSB), criado pelo Decreto nº 11.961/2024.

De forma prática, a TSB tem quatro grandes finalidades:

  • Aumentar a transparência nos investimentos sustentáveis;
  • Combater o greenwashing;
  • Alinhar o Brasil aos padrões internacionais (como a Taxonomia Europeia e a ISO 14030);
  • Canalizar recursos para setores realmente sustentáveis, fortalecendo a economia verde nacional.

3. A base normativa e as conexões com o ESG

A Taxonomia Sustentável Brasileira é sustentada por um conjunto de normas, diretrizes e leis que reforçam sua coerência técnica e jurídica.
Entre os principais marcos, destacam-se:

  • Decreto nº 11.961/2024 – Cria o Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira (CITSB), responsável pela governança da política;
  • Lei nº 12.187/2009 – Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que fundamenta parte dos objetivos ambientais da TSB;
  • Lei nº 14.119/2021 – Cria a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), conectando-se ao reconhecimento de atividades que geram benefícios ecológicos mensuráveis;
  • Lei nº 14.900/2024 – Institui o marco legal da Economia de Baixo Carbono, complementando a TSB como instrumento de financiamento verde;
  • Decreto nº 11.075/2022 – Estrutura o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), que fornecerá dados e métricas usadas pela taxonomia;
  • ABNT ISO 14030:2023 – “Finanças ambientais — Taxonomia de financiamento verde”, base técnica de alinhamento global adotada como referência pela equipe da Fazenda;
  • ABNT NBR ISO 26000:2021 – “Diretrizes sobre Responsabilidade Social”, que oferece princípios de governança, direitos humanos, práticas de trabalho e meio ambiente, centrais na TSB;
  • ABNT NBR ISO 14001:2015 – “Sistemas de gestão ambiental”, norma que inspira a metodologia de verificação de impacto e desempenho ambiental adotada nos critérios da TSB.

Essas bases legais e normativas mostram que a TSB não é um improviso. É uma construção sólida, baseada em governança, rastreabilidade e comparabilidade — fundamentos do “G” de ESG.

4. Um instrumento para direcionar o capital — e o propósito

Os números são claros: estima-se que o Brasil precise de R$ 2 trilhões em investimentos até 2030 para alcançar suas metas climáticas e de desenvolvimento sustentável (MMA, 2024).
Mas sem um padrão, como garantir que esses recursos não sejam desviados para práticas meramente “pintadas de verde”?

A Taxonomia Sustentável Brasileira resolve esse dilema ao:

  • Definir critérios objetivos para investimentos sustentáveis;
  • Fornecer segurança jurídica a investidores, bancos e empresas;
  • Gerar comparabilidade internacional;
  • Estimular a inovação e a competitividade verde.

Para o terceiro setor, esse movimento é estratégico. Fundos, editais e parcerias passarão a exigir evidências de enquadramento taxonômico.
Ou seja, organizações que demonstrarem aderência à TSB terão mais chances de captar, escalar e permanecer.

5. Da Europa ao Brasil: um diálogo entre realidades

A inspiração da TSB vem da Taxonomia Europeia (EU Taxonomy Regulation, 2020/852), mas com ajustes ao contexto brasileiro.
Enquanto o modelo europeu foca fortemente na mitigação climática e na economia circular, o modelo brasileiro adiciona dimensões socioeconômicas, florestais e de uso da terra.

Isso significa reconhecer que sustentabilidade no Brasil não é apenas carbono, mas também biodiversidade, inclusão social e território.
Como dizia José Lutzenberger, “não existe ecologia sem justiça social”.

Assim, a TSB incorpora princípios de transição justa — uma ponte entre a economia verde e as realidades regionais, especialmente na Amazônia, no Cerrado e em territórios tradicionais.

6. Desafios da implementação

A consolidação da TSB ainda passa por grandes desafios práticos:

a) Complexidade técnica

Muitos setores econômicos ainda não possuem dados consistentes de emissões ou impacto ambiental.
Soluções incluem integrar plataformas como o SINARE (Decreto 11.075/2022) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), garantindo base de dados verificável.

b) Capacitação e cultura organizacional

Empresas e entidades do terceiro setor precisam compreender o conceito de “atividade elegível” e “atividade alinhada”.
Ou seja, não basta dizer que um projeto é verde — é preciso provar.

c) Integração com políticas públicas

A TSB deve dialogar com políticas de financiamento do BNDES Verde, do Fundo Clima, e das novas linhas de crédito de bancos públicos e multilaterais.
A ausência dessa convergência pode travar sua efetividade.

7. O papel do terceiro setor e da Fundação Verde Herbert Daniel

Como coordenador de projetos e gestor administrativo-financeiro na Fundação Verde Herbert Daniel, enxergo a TSB como um divisor de águas.
Ela nos convoca a fortalecer métodos de mensuração de impacto, indicadores ESG, e boas práticas de governança em todos os projetos.

Exemplos práticos de aplicação:

  • Projetos como “Amazônia Viva na COP30” e “Cerrado e Mudanças Climáticas” já podem ser enquadrados nos critérios de “preservação da biodiversidade” e “educação ambiental” previstos na TSB;
  • A Fundação pode desenvolver relatórios anuais de impacto seguindo a ABNT ISO 14064-1:2020 (Inventário de emissões) e ABNT ISO 26000;
  • Em termos de governança, a integração entre conselho curador e gestão executiva pode alinhar indicadores da TSB ao planejamento estratégico institucional.

No futuro, a própria Fundação poderá oferecer capacitação e assessoria técnica sobre a TSB a outras entidades da sociedade civil — consolidando seu papel de liderança no campo ESG e no terceiro setor.

8. Caminhos para adoção: da teoria à prática

Para transformar a TSB em prática de gestão, recomendo quatro passos estratégicos:

  • Mapeamento de projetos elegíveis
    Identificar quais iniciativas da organização contribuem diretamente para objetivos da taxonomia (ex.: mitigação de emissões, inclusão social, proteção de ecossistemas).
  • Criação de um “Comitê ESG e Taxonomia”
    Integrar representantes das áreas de projetos, finanças e comunicação para acompanhar atualizações da TSB, consultas públicas e indicadores.
  • Capacitação contínua
    Adotar cursos e workshops baseados em normas da ABNT e guias da Fazenda, ampliando a literacia climática institucional.
  • Relato de conformidade e transparência
    Publicar anualmente indicadores e resultados alinhados à TSB, conectando-os aos ODS da Agenda 2030 da ONU, especialmente ODS 13 (Ação Climática), ODS 15 (Vida Terrestre) e ODS 17 (Parcerias).

9. A governança como elo entre propósito e resultado

A TSB não é apenas ambiental — ela é um instrumento de governança.
Ao definir critérios, indicadores e verificações, obriga todos os atores a repensar processos internos, controles e prestação de contas.

No caso do terceiro setor, isso é ouro.
Instituições como a Fundação Verde Herbert Daniel, que prezam por transparência, ética e impacto real, encontram na TSB uma aliada institucional.
Ao adotar práticas de governança compatíveis, a organização não apenas acessa novos recursos — ela reforça sua legitimidade pública.

10. Conclusão: a bússola verde do Brasil

A Taxonomia Sustentável Brasileira é mais do que uma política pública.
É uma nova lente — e talvez o passo mais concreto que o país já deu em direção a um modelo econômico baseado em valor real, ética e impacto mensurável.

Para quem trabalha com ESG, sustentabilidade e gestão pública, ela simboliza a união entre técnica e propósito.
E é esse equilíbrio — entre ideal e método, entre discurso e entrega — que definirá o legado de nossa geração.

O desafio está lançado: compreender, aplicar e disseminar a taxonomia como ferramenta de transformação.
E a Fundação Verde Herbert Daniel, pela natureza de sua atuação, tem o dever — e a oportunidade — de ser protagonista desse processo.

Referências (formato ABNT)

BRASIL. Decreto nº 11.961, de 4 de abril de 2024. Institui o Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira – CITSB. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2024.
BRASIL. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Brasília: DOU, 2009.
BRASIL. Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021. Institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Brasília: DOU, 2021.
BRASIL. Lei nº 14.900, de 18 de julho de 2024. Marco Legal da Economia de Baixo Carbono. Brasília: DOU, 2024.
BRASIL. Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022. Regulamenta o Sinare. Brasília: DOU, 2022.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 14030:2023 – Finanças ambientais – Taxonomia de financiamento verde. Rio de Janeiro, 2023.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 26000:2021 – Diretrizes sobre Responsabilidade Social. Rio de Janeiro, 2021.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 14001:2015 – Sistemas de Gestão Ambiental. Rio de Janeiro, 2015.
EUROPEAN UNION. EU Taxonomy Regulation (Regulation 2020/852). Official Journal of the European Union, Brussels, 2020.
FGV – Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces). Taxonomia Sustentável Brasileira: princípios e desafios. São Paulo: FGV, 2024.
GOVERNO FEDERAL. Ministério da Fazenda. Portal da Taxonomia Sustentável Brasileira. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/spe/taxonomia-sustentavel-brasileira.

+ Conteúdos

📘 Por Allan Moreno MagriGerente Administrativo-Financeiro e Coordenador de Projetos – Fundação Verde Herbert DanielEspecialista em ESG, Sustentabilidade e Governança🔗 http://www.linkedin.com/in/allanmagri-esg 1. Introdução: o tempo da coerência O Brasil vive...

Introdução As mudanças climáticas já estão causando impactos devastadores em todo o mundo, muitos dos quais são irreversíveis e vão além da capacidade de mitigação ou adaptação. A COP30, a...

Introdução A COP30, que acontecerá em Belém, no coração da Amazônia brasileira, em 2025, coloca as florestas tropicais, e em particular a Amazônia, no centro das discussões climáticas globais. Este...

Artigos em Opinião