Escrito por:
Allan Moreno Magri
Gerente Administrativo-Financeiro e Coordenador de Projetos – Fundação Verde Herbert Daniel
Especialista em ESG, Sustentabilidade e Governança
LinkedIn: www.linkedin.com/in/allanmagri-esg
Se existe um palco onde a crise climática se manifesta com força total, esse palco é urbano. As cidades são o ponto onde políticas ambientais encontram vidas reais, onde as decisões internacionais precisam virar ações práticas — e onde a COP30, em Belém, deixou claro: sem cidades fortes, não existe transição climática.
Essa conclusão não é filosófica, é matemática. Segundo a ONU-Habitat, as áreas urbanas consomem 78% da energia mundial e emitem mais de 70% dos gases de efeito estufa. Se o mundo quer cumprir os acordos pós-Paris e pós-Belém, não adianta esperar apenas dos governos nacionais: a virada é local.
E é aqui que começa nosso papo reto:
A governança urbana será o motor da ação climática na próxima década — ou não teremos década climática para contar.
1. Pós-COP30: a virada do protagonismo local
A COP30 consolidou o que já vínhamos observando em cidades brasileiras e latino-americanas:
prefeituras, governos estaduais e consórcios intermunicipais estão assumindo responsabilidades que antes eram tratadas como “tema federal”.
Por três motivos claros:
- Os impactos climáticos são territoriais.
Chuvas extremas em Petrópolis, enchentes no Acre, ondas de calor no Centro-Oeste, queimadas no Amazonas — tudo acontece no CEP, não em Brasília ou na ONU. - Os municípios são os primeiros a responder.
Defesa Civil, ordenamento urbano, transporte, saúde, habitação — tudo cai direto no colo das prefeituras. - A inovação nasce onde a vida acontece.
Mobilidade elétrica, eficiência energética, telemetria de resíduos, agricultura urbana, energia solar comunitária — tudo isso surge no chão da cidade.
A COP30 reforçou a necessidade de cada município brasileiro construir Planos Locais de Ação Climática, alinhados ao Acordo de Paris, ao Marco Global de Biodiversidade e às especificidades regionais — Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas.
2. Governança urbana: o que muda de verdade agora
Governança é a palavra da moda? Sim.
Mas é também aquilo que separa discurso de resultado.
Na prática, cidades precisam de três pilares:
a) Institucionalidade climática
Criar estruturas formais:
- Comitês municipais de clima
- Câmaras técnicas com universidades e sociedade civil
- Conselhos intersetoriais
- Planos de adaptação e mitigação com metas mensuráveis
Sem isso, tudo vira promessa.
b) Financiamento climático local
Os mecanismos globais de financiamento pós-COP30 — como o Fundo Verde para o Clima, o Fundo de Perdas e Danos e os títulos verdes — agora abrem oportunidades reais para municípios.
Mas existe uma trava: governança e transparência.
Cidade sem plano, sem inventário de GEE e sem estrutura de monitoramento não recebe dinheiro.
c) Integração regional
Nenhuma cidade resolve clima sozinha.
Consórcios públicos, blocos metropolitanos e governança interfederativa são caminhos óbvios para problemas óbvios: mobilidade, saneamento, água, energia, desastres.
3. Inovação urbana: onde a transformação acontece
Aqui entra a parte mais empolgante: cidades são laboratórios vivos. As melhores soluções climáticas do mundo nasceram em políticas locais.
Vamos aos exemplos — nacionais e internacionais — que fazem sentido para o Brasil pós-COP30:
1. Mobilidade de baixo carbono
- Curitiba segue referência mundial com BRT eficiente e corredores verdes.
- Fortaleza avançou em ciclomobilidade e integra telemetria em tempo real.
- Copenhague virou o símbolo planetário de cidades cicláveis.
A lição?
Cidades com mobilidade sustentável são mais limpas, saudáveis e resilientes.
2. Energia solar urbana
- Linhas de crédito para telhados solares em residências de baixa renda
- Usinas fotovoltaicas em escolas e hospitais
- Programas de “comunidades solares” para reduzir tarifa social
Belém pós-COP30 tem oportunidade única de virar referência amazônica em energia limpa.
3. Gestão de resíduos 4.0
- Sistemas RFID em caminhões
- Rotas inteligentes
- Pagamento por geração (PAYT)
- Aproveitamento energético dos resíduos
Cidades como São Paulo, Quito e Barcelona mostram que inovação digital reduz custos e emissões.
4. Urbanismo voltado ao clima
- Infraestrutura verde: parques lineares, jardins de chuva, telhados verdes
- Zoneamento climático
- Soluções baseadas na natureza (SbN)
Essas ações reduzem alagamentos, melhoram conforto térmico e aumentam biodiversidade.
5. Agricultura urbana regenerativa
- Hortas comunitárias
- Compostagem descentralizada
- Sistemas agroflorestais urbanos (SAFs)
É alimento, emprego, inclusão e captura de carbono — tudo junto.
4. O desafio brasileiro: clima e desigualdade
O Brasil tem uma particularidade gigantesca: a crise climática se soma à desigualdade estrutural.
A enchente que destrói uma comunidade vulnerável não é “fenômeno natural” — é falha de governança, falta de investimento e ausência de planejamento territorial.
Por isso, cidades que lideram a agenda climática precisam olhar para três frentes:
- Reassentamento digno e seguro (não empurrar famílias de risco para mais risco)
- Infraestrutura adaptativa (macro e microdrenagem, alerta precoce, monitoramento)
- Justiça climática (as populações que menos emitem são as que mais sofrem)
A COP30 reforçou: adaptar é tão importante quanto mitigar. E no Brasil, talvez mais.
5. O potencial da Amazônia urbana pós-Belém
Belém colocou o Brasil no centro do debate global.
Mas também escancarou uma verdade: mais de 70% dos amazônidas vivem em cidades.
Ou seja:
Cuidar da Amazônia é cuidar das cidades da Amazônia.
Cidades como Manaus, Santarém, Porto Velho, Macapá e Rio Branco são estratégicas para:
- Regular o uso do solo
- Conter desmatamento indireto
- Organizar cadeias produtivas sustentáveis
- Incentivar bioeconomia urbana e periurbana
E com a COP30, esse protagonismo só cresce.
6. Tecnologia, dados e governança: o tripé do futuro
Cidades que querem acessar financiamento climático precisam profissionalizar três áreas:
1. Inventários de emissões locais de GEE
Sem dados não há política climática. Ponto.
Ferramentas como o GPC (Global Protocol for Community-Scale GHG Emission Inventories) e padrões ABNT/ISO — como ISO 14064 e ABNT PR 2030-1 (ESG) — tornam a mensuração mais robusta.
2. Plataformas de monitoramento climático (MRV)
Um bom sistema MRV integra:
- Indicadores de mitigação
- Ações de adaptação
- Alertas de desastre
- Dashboards transparentes
- Engajamento cidadão
3. Governança inteligente
Estamos falando de:
- Dados abertos
- Transparência
- Participação social
- Cooperação interinstitucional
- Compliance climático
Cidades que dominam esse tripé aceleram a captação de recursos globais, atraem investimentos verdes e se tornam referências internacionais.
7. O recado final pós-COP30: cidades são o motor da transição
Se quisermos um Brasil resiliente, competitivo e sustentável até 2035, três agendas precisam caminhar juntas:
- Infraestrutura urbana verde e resiliente
- Inovação local com governança robusta
- Financiamento climático com transparência e participação social
Cidades são onde o futuro climático do Brasil será decidido.
Se falharmos nelas, falhamos no país.
Se acertarmos nelas, lideramos o mundo.
Nota Institucional – Fundação Verde Herbert Daniel (FVHD)
Conforme diretrizes da Fundação e normas aplicáveis, todo conteúdo segue princípios de transparência, responsabilidade socioambiental e compromisso institucional. Observância das normas ABNT NBR 6023:2018 para referências.
Fontes (ABNT NBR 6023:2018)
ONU-HABITAT. World Cities Report 2024. Nairobi: United Nations Human Settlements Programme, 2024.
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2023. Geneva: IPCC, 2023.
C40 CITIES. Urban Climate Action – Global Snapshot 2024. Londres: C40, 2024.
ICLEI. Sustainable Urban Development in Latin America. Bonn: ICLEI Secretariat, 2023.
OCDE. Financing Climate Action in Cities. Paris: OECD Publishing, 2023.
ABNT. PR 2030-1 – Diretrizes ESG. Rio de Janeiro: ABNT, 2023.
ABNT. NBR ISO 14064 – Gases de Efeito Estufa. Rio de Janeiro: ABNT, 2021.