Desde 2008, o Partido Verde denunciava a máquina de assasssinos que se montou no Rio de Janeiro com o fortalecimento das milícias.
Em 2008, Fernando Gabeira já denunciava as milícias do Rio de Janeiro por meio de um mapa (https://www.youtube.com/watch?v=xfzdHU_nzA4) elaborado por ele juntamente com Fabiano Carnevale, presidente do PV/RJ. À época, de acordo com o mapeamento, 71 comunidades já estavam ocupadas pelo tráfico de drogas e 85 por milícias. Hoje são mais de 300 milícias. Ao longo dos anos de dominação desses grupos paramilitares, o Brasil foi se tornando um narco-estado-miliciano e a máquina de assassinos que se montou no Rio de Janeiro vai ganhando força, às margens da lei.
Desde o início da expansão das milícias pelo Rio de Janeiro, há duas décadas, uma das grandes preocupações das autoridades é a quase inevitável ligação desses grupos paramilitares com o tráfico. Em 2010, uma fala de Gabeira foi publicada pela “Folha de S.Paulo” na qual ele tentava descrever o projeto de Sérgio Cabral, governador do Rio na época. Comparava-o à tática das milícias que dão segurança a uma determinada área e são livres para cometer crimes. Disse que o instrumento dessa barganha eram as UPPs. De lá pra cá o poder de dominação das milícias foi ganhando mais força e mais aliados.
Esses grupos paramilitares se expandiram e se sofisticaram nos últimos anos, com uma variedade de negócios ilegais para financiar suas atividades e hoje podem ser um problema de segurança pública mais grave do que o tráfico de drogas. De acordo com Michel Misse, diretor o Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os grupos milicianos podem ter 20, 30 ou até 40 membros. “São pessoas que de alguma forma têm acesso privilegiado a armas e bons contatos na polícia, o que lhes confere proteção. Eles ocupam uma área sob a justificativa de que proporcionarão a segurança que o Estado não é capaz de fornecer, deixam um grupo armado no local e partem para outras áreas para invadi-las”.
ATUAÇÃO DAS MILÍCIAS – Hoje em dia as milícias estão envolvidas na oferta de uma variedade de serviços, como venda de água, gás e cestas de alimentos, transporte clandestino, TV a cabo e internet piratas, roubo e refino de petróleo cru para fabricação de combustível, coleta de lixo e também na apropriação de terras públicas e privadas abandonadas ou sem uso, que são loteadas e vendidas ilegalmente. Esta última atividade estaria ligada ao crime contra Marielle e Anderson, de acordo com a polícia, porque a vereadora estaria apoiando um grupo que lutava contra o plano da prefeitura para a comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste, de realizar parcerias com construtoras para que elas fizessem obras de urbanização em troca da permissão para construir edifícios de até 12 andares na região.
Na favela Rio das Pedras, a presença de milicianos já data desde 1990. O tipo de atividade era diferente naquela época. Não ia na linha de pagamento de taxas por serviços, como hoje, era mais um controle imobiliário. Controlavam todas as transações – quem podia construir e onde. À época, impunham medo e criavam certa estabilidade na região. Não deixavam que traficantes de drogas se estabelecessem e eram a principal autoridade local.
Parte do desafio de combater as milícias é sua profunda conexão com as forças de segurança. Esses laços tiveram origem na ditadura brasileira de 1964-1985, segundo José Cláudio Sousa Alves, especialista em milícias e professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ainda de acordo com Claudio, grupos de extermínio, formados por policiais, militares e bombeiros executaram dissidentes e criminosos, todos com a aprovação tácita dos ditadores. “Quando o Brasil fez a transição para a democracia nos anos 80, a prática permaneceu, mas os civis estavam cada vez mais misturados em tais grupos”. No início dos anos 2000, a crescente presença civil levou as milícias a apresentar candidatos a prefeituras e ao governo do Estado, o que ajudou a controlar as agências responsáveis pela segurança.
IMPUNIDADE – Em 2008, a Assembléia Legislativa do Rio realizou uma grande investigação de milícias e seus tentáculos em toda a sociedade. A CPI das milícias foi instaurada após funcionários do jornal O Dia terem sido torturados por milicianos, um ponto importante para essa mudança de percepção do papel das milícias. O relatório da CPI pedia a acusação de 225 pessoas, incluindo políticos nos níveis estadual e municipal, policiais, bombeiros e funcionários da prisão. Dezenas foram presas e condenadas, enquanto as milícias mostraram como lidavam com qualquer pessoa que cooperasse. A comissão fez 58 recomendações, desde aumentar a inteligência até investir em programas de assistência social, para recuperar o controle dos serviços que deveriam ser fornecidos pelo estado. Muito pouco foi feito. Até hoje esta CPI foi a maior investigação já feita sobre a atuação de milícias.
Na avaliação de José Claudio Alves, da UFRRJ, as milícias representam hoje um perigo maior do que o tráfico de drogas. “O poder deles é incomparável, têm um portfólio de negócios em sua base e estão dentro do Estado. Eles elegem políticos, o tráfico não. Veja que, para a investigação sobre a morte da Marielle chegar a alguma coisa, foram necessários nove meses. Não sei se isso terá algum resultado, mas mostra o poder que as milícias têm hoje.”