É imprescindível denunciar a morte de mulheres, assim como aprimorar os mecanismos de enfrentamento para tentar conter esse tipo de violência.
Se as leis e políticas públicas ainda não são suficientes para impedir que vidas de mulheres sejam tiradas de formas tão brutais, o enfrentamento a essas e outras formas de violência de gênero é um caminho sem volta. O Atlas da Violência 2018 mostra que, em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Em dez anos, houve um aumento de 6,4% desse tipo de crime. No mesmo ano, o estado de Roraima apresentou uma taxa de 10 homicídios por 100 mil mulheres, com uma distância razoável dos estados com taxas mais próximas, Pará (7,2) e Goiás (7,1). As taxas de Roraima flutuam bastante ao longo da série histórica, mas chegaram a picos de 14,8 em 2013, 11,4 em 2015 e, com exceção de 2011, nos demais anos a taxa de homicídios de mulheres em Roraima foi superior à taxa brasileira.
De acordo com o relatório, embora não estejam entre as UFs com as maiores taxas, quando se considera a década, Rio Grande do Norte e Maranhão tiveram os maiores aumentos, da ordem de 130%. Já os estados com as menores taxas em 2016 foram São Paulo (2,2), Piauí (3,0) e Santa Catarina (3,1). Desses três, apenas São Paulo apresentou queda na década, da ordem de 40,4%. Em Santa Catarina, houve um aumento de 3,5%, enquanto no Piauí o aumento foi de 50%. A maior queda pode ser verificada no estado do Espírito Santo (43,2%), aparentemente uma tendência que se iniciou em 2014.
Para o enfrentamento da violência contra a mulher, além de dar visibilidade aos crimes, é fundamental a manutenção, a ampliação e o aprimoramento das redes de apoio à mulher, previstos na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que viabilizam o atendimento e as alternativas de vidas para as mulheres. A rede de atendimento deve garantir o acompanhamento às vítimas e empenhar um papel importante na prevenção da violência contra a mulher. Além de ser assistida pelo sistema de justiça criminal, a mulher deve conseguir ter acesso à rede também por meio do sistema de saúde, já que em muitos casos as mulheres passam várias vezes por esse sistema antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado.
De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, divulgados por meio da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, foram recebidas 72.839 denúncias, que incluem relatos de violência sexual, homicídio, cárcere privado e outros, entre janeiro e junho deste ano. Os registros foram feitos por meio do Ligue 180, serviço criado pelo governo federal em 2005 para dar assistência às vítimas.
Os dados dos primeiros cinco meses do ano correspondem a 47% do total registrado em 2017 (156.839). O governo destaca, porém, que em alguns casos, houve um aumento no número de denúncias. Foram constatados o crescimento de 37,3% nos relatos de homicídio e de 16,9%, de violência sexual.
Os estados que mais denunciam esse tipo de crime são – São Paulo (9.863), Rio de Janeiro (9.317), Minas Gerais (6.499) e Bahia (4.813). Na Região Norte houve o maior crescimento no número de denúncias: Amazonas, 34,8% a mais; Roraima, 34,6%; e Amapá, 6,1%.
Veja o detalhamento dos números registrados pelo Ligue 180 entre janeiro e junho de 2018:
Cárcere privado – 2.611 casos
Homicídio – 899 casos
Tráfico de pessoas – 102 casos
Violência física – 34 mil casos
Violência moral – 3.381 casos
Violência patrimonial – 1.447 casos
Violência obstétrica – 40 casos
Violência psicológica – 24.378 casos
Violência sexual – 5.978 casos
Assédio no esporte – 3 casos
Para tentar diminuir essas estatísticas, diversas propostas legislativas avançaram no Senado no primeiro semestre deste ano. Três projetos foram aprovados com o mesmo objetivo, atendendo a uma reivindicação da bancada feminina. Dois deles já foram publicados no Diário Oficial da União e transformados em leis.
Originada do PLC 186/2017, a Lei 13.642/2018 delega à Polícia Federal a atribuição de investigar crimes associados à divulgação de mensagens de conteúdo misógino (que propagam ódio ou aversão às mulheres) pela internet. O projeto alterou a Lei 10.446/2002. A investigação desses crimes deve ter máxima prioridade, principalmente pela rápida propagação das informações na rede. Além disso, a PF, por ser uma força policial mais bem estruturada, pode conseguir maior eficiência e celeridade nas investigações.
Outra lei já em vigor (13.641/2018) teve origem no PLC 4/2016, tornando crime o descumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para proteger mulheres vítimas de algum tipo de violência doméstica ou familiar. O texto estabelece pena de detenção de três meses a dois anos para quem desobedecer à decisão judicial nesse sentido e suspende ou restringe o direito do agressor portar armas, caso ele disponha dessa licença.
Propostas em análise
Uma proposta que criminaliza a violação da intimidade da mulher foi aprovada pelo Plenário do Senado e retornou para análise da Câmara dos Deputados por ter sofrido modificações. O PLC 18/2017 enquadra o registro ou divulgação não autorizada de cenas de intimidade sexual – a chamada “vingança pornográfica” – como uma forma de violência doméstica e familiar. A pena deverá ser de reclusão de dois a quatro anos e pagamento de multa.
Também foi remetido à Câmara o PLS 233/2013, que reserva vagas gratuitas para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar nos cursos oferecidos pelo “Sistema S”. Pelo texto, 5% das vagas disponibilizadas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop) devem ser destinadas a mulheres nessa situação.