5 de setembro é comemorado o Dia Internacional da Mulher Indígena. A data foi instituída para reafirmar o apoio às mulheres indígenas na busca por justiça e em defesa dos direitos individuais e coletivos.
No Brasil, os povos indígenas são tratados como cidadãos de segunda classe, tendo suas vidas decididas por medidas governamentais arbitrárias e vivendo em constante conflito por disputas de terras. As mulheres indígenas acabam sendo alvos de violência sexual, ameaças e assassinatos. Fora as dificuldades em relação a saúde e educação.
No Dia Internacional da Mulher Indígena, data instituída em 1983 durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, na Bolívia, os números mostram o aumento da violência contra essa mulheres, muitas vezes intensificada pelo histórico de dominação colonial, exclusão política e econômica e a falta de serviços básicos. Além da violência, enfrentam ainda negligência, exploração, tráfico humano, trabalho forçado e escravo muitas vezes.
De acordo com o relatório da ONU a nível mundial, mais de uma em cada três mulheres indígenas são estupradas ao longo da vida – e a violência faz parte de uma estratégia para desmoralizar a comunidade ou como “limpeza étnica”. Em entrevista concedida à EBC, em 2010, quando saiu o relatório da ONU, Marcos Terena, à época articulador do Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC), afirmou que a forma mais fácil de destruir um povo é desmoralizá-lo. “Atingir a parte mais vulnerável do grupo tem esse objetivo, desmoralizá-lo. Em sua forma mais extrema, a discriminação pode levar a graves violações, como homicídio e estupro”.
No Brasil, a exploração sexual de mulheres e meninas indígenas é um problema crescente. Em 2017, o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM) denunciou à Justiça Federal dez pessoas suspeitas de praticarem diversos crimes relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes indígenas, no município de São Gabriel da Cachoeira. O esquema criminoso, segundo denúncias, envolve vítimas de até 10 anos, negociadas por presentes e valores como R$ 20.
No Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população indígena do País, com 72 mil pessoas, os casos de violência contra a mulher indígena aumentaram em aproximadamente 495%. Em 2010, o número era de 104 agressões físicas. Já em 2014, foram relatadas 619 agressões.
Só em 2016, o levantamento da Secretaria de Segurança Pública do mesmo estado mostrou que o número de denúncias de violência contra a mulher na região cresceu 23,1% no primeiro semestre daquele ano em relação ao mesmo período em 2015.
A violência doméstica também está presente no cotidiano das indígenas. Porém, por não terem participado do processo de elaboração da Lei Maria da Penha, a legislação não contempla as especificidades indígenas. Diante do aumento expressivo de denúncias de violências, em 2016, o Núcleo de Proteção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul (Nudem) resolveu distribuir cartilhas sobre a Lei Maria da Penha nas comunidades indígenas. Foram 1500 documentos divididos entre as Terenas e as Guaranis com as especificidades da Lei traduzidas nas línguas de origem.
Edmeiry Silara Broch Festi, coordenadora do Núcleo e atuante diretamente no projeto, conta que a defensoria faz projetos ao longo do ano em defesa da vida das mulheres e durante um dos eventos surgiu a demanda para que a Lei Maria da Penha fosse traduzida. Foi realizado o lançamento oficial da cartilha com as lideranças locais e, após esse lançamento, o Nudem começou a visitar as aldeias para fazer a entrega do documento junto com palestras.
Nas palestras, o Núcleo contou com ajuda de intérpretes para fazer a apresentação nas línguas Guarani e Terena. Além do trabalho com as mulheres, essa cartilha vai servir para as escolas das comunidades desenvolverem as leituras nas aulas, não só com as meninas mas também com os meninos.
Durante a exposição dos seminários, o objetivo da coordenadora era explicar o atendimento da Defensoria Pública para as mulheres, bem como conscientiza-las de que a Lei Maria da Penha é um instrumento do Estado para ser usado em defesa delas.
“Quando entramos em contato com as comunidades percebemos que o Estado não tem números que retratem a realidade em relação aos indígenas. Outro desafio é a influência da cultura branca. A maioria dos casos que a gente escuta está associada ao consumo de álcool, além dos conflitos por demarcações de terras. Ainda, é comum ouvir das lideranças locais que o povo indígena é menos machista. A nossa grande dificuldade é fazer com que elas próprias se reconheçam como vítimas, de tão enraizada que a cultura do homem é. O público da defensoria já é vulnerável, e dentro dos vulneráveis temos ainda uma situação mais delicada, que é a das mulheres indígenas”, explicou Edmeiry.