De acordo com o relatório, da Oxfam Brasil, ‘Nós e as desigualdades’, há um crescimento na percepção do racismo e machismo na sociedade.
Ano novo, governo novo e novas percepções a respeito do desenvolvimento econômico do Brasil atrelado às desigualdades sociais. É o que mostra o estudo ‘Nós e as desigualdades – Percepções sobre as desigualdades no Brasil’, encomendada pela Oxfam Brasil. De acordo com o relatório, ao menos oito em cada dez brasileiros acreditam que o progresso do país está condicionado à redução das desigualdades. Para 64% dos entrevistados, o fato de ser mulher impacta a renda, ante 57% em 2017, primeiro ano do estudo. Além disso, 52% dos entrevistados concordam que negros ganham menos por serem negros, ante 46% em 2017. 58% duvidam que o trabalho equaliza a chance dos mais pobres e 51% não creem que a educação das crianças pobres equalize as chances de um vida bem-sucedida. Ou seja, a pobreza tem cor, gênero, origem e idade.
De 2017 para cá houve um crescimento na percepção do racismo e machismo na sociedade. Existem hoje mais de 185 mil meninas no Brasil executando trabalho infantil doméstico e 90% delas são negras. 85% das 2,8 mil meninas têm menos tempo para brincar do que gostariam, enquanto 13% dos meninos na mesma faixa etária executam atividades domésticas. Mais de 300 mil meninas se casam antes dos 15 anos no Brasil. São dados que expressam o controle da sexualidade, do corpo e a vigilância do tempo das meninas. “Só avançaremos no combate às desigualdades se os temas do racismo, da discriminação de gênero e do respeito à diversidade, da discriminação pelo endereço de moradia e do assassinato de jovens de periferia tiverem a mesma urgência que os temas econômicos e fiscais”, defendeu Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
A desigualdade social é, antes de tudo, um processo que diz respeito as relações dentro da sociedade e que, de certa forma, limita o status de um determinado grupo, restringindo seus direitos à saúde, educação, segurança, casa própria. Isso sem falar no acesso a serviços de infraestrutura, como água encanada e esgoto. Com isso, todo o processo de crescimento econômico fica seriamente comprometido. Como agravante da desigualdade está ainda a concentração de renda nas mãos de menos de 10% da população, que seguidamente assistem a uma elevação em seus rendimentos e, ao contrário, uma retração sistemática nos ganhos das classes mais pobres. Com isso, a renda média da população com maiores ganhos chega a ser quase 10 vezes mais que a percebida pelas classes na base da pirâmide.
EMBATE POLÍTICO EM DETRIMENTO DA POPULAÇÃO – A disputa pela riqueza socialmente produzida coloca de um lado os que querem reduzir o Estado a qualquer custo, privatizando tudo o que for possível, previdência, saúde, educação, empresas estatais, etc., e, de outro lado, os que defendem que o Estado precisa viabilizar as condições para ampliação dos direitos sociais. O embate político vem se tornando cada vez mais claro e ministros do atual governo não escondem sua simpatia pelo Estado mínimo anunciando suas pretensões de privatizar tudo, inclusive setores essenciais do bem-estar como a saúde e a educação, por exemplo, totalmente na contramão do que deseja a sociedade, como mostra o relatório da Oxfam em parceria com o instituto Datafolha. 75% da população apoia a universalização do ensino público e 73% defende a universalização da saúde pública. Ainda de acordo com esta pesquisa, 84% das pessoas entendem que é obrigação dos governos diminuir as desigualdades sociais.
E, diante do cenário social atual, como reduzir desigualdades com o fim da política de valorização do salário mínimo? Como reduzir desigualdades com a tendência e provável implantação de um sistema de seguridade social com manutenção de privilégios e diminuição dos direitos dos mais pobres?
O Brasil segue como um dos países mais desiguais do mundo. As desigualdades enfrentadas pela sociedade vão além da renda, das crises econômicas ou fiscais. A desigualdade torna a sociedade mais vulnerável aos problemas de oscilação dos ciclos econômicos. Em entrevista concedida à revista Economist, Cristine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, revelou a preocupação e a responsabilidade desse órgão num crescimento inclusivo: “A desigualdade enfraquece a ideia de uma sociedade meritocrata, em que uma pequena minoria ganha acesso aos muitos benefícios tangíveis e intangíveis, necessários para estar à frente, seja na educação, no enriquecimento cultural ou em boas conexões”.
CRITÉRIOS DO ESTUDO – São quatro os eixos que cerceiam a pesquisa – percepções sobre desigualdades e mobilidade social; percepções sobre gênero e raça; percepções sobre tributação e políticas sociais e nós e as desigualdades: caminhos para a redução. Dentro dessa linha, os resultados demonstram que, segundo a própria instituição, “nos acostumamos com uma sociedade que normalizou a existência de cidadãos e cidadãs de primeira e de segunda categorias, daqueles que têm direitos e dos que não têm. Um país onde morar em periferias ou ser negro e negra já define, de antemão, a qual categoria você pertence”.
Ouvir o que a população brasileira tem a dizer sobre esse tema é importante. Em que pese os imensos desafios na percepção pública sobre a distribuição de renda, ao menos 8 em cada 10 brasileiros acreditam que não é possível progresso sem redução de desigualdades. Além disso, a confiança da população na responsabilidade do Estado para enfrentar as desigualdades é maioria.
A amostra de entrevistados é de 2.086 pessoas em nível nacional, permitindo-se também a leitura por regiões (Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sudeste e Sul). Entrevistas foram realizadas em 130 municípios de pequeno, médio e grande portes, incluindo regiões metropolitanas e cidades do interior. O período da aplicação das entrevistas foi de 12 a 18 de fevereiro de 2019. A margem de erro para a amostragem geral é de 2% para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95%.
Trata-se de uma contribuição ao debate sobre a redução das desigualdades brasileiras a partir da percepção da população.