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Dia Internacional de Luta Contra os Agrotóxicos: 1.408 produtos liberados em três anos

“O paraquate queimou o pulmão dele. Foi queimando a pele, as mucosas orais e nasais, indo até os alvéolos pulmonares. Esse é um agrotóxico de ação secante, seca e queima as folhas, faz o mesmo com a pele, as mucosas, o pulmão”,[1] Lilimar Mori, médica epidemiologista sobre a morte de Júlio, de 22 anos, contaminado por Paraquat.

Na madrugada do dia 3 de dezembro de 1984, na cidade de Bhopal, na Índia, em função de um vazamento e da explosão de um tanque subterrâneo da fábrica de agrotóxicos da Union Carbide Corporation, liberando gases tóxicos, cerca de oito mil pessoas perderam a vida e outras 150 mil ficaram intoxicadas, fato que motivou a criação do Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos, para render um tributo a todas essas vítimas.

Hoje, passados 37 anos desse nefasto acontecimento, a data nos faz refletir sobre o absurdo crescimento no planeta, e em especial no Brasil, da produção desses pesticidas, muitos dos quais são comprovadamente cancerígenos e mutagênicos, nos obrigando, também, a prestar nossa homenagem às vítimas atuais, cujo número vem crescendo a cada ano.

De 2007 a 2017, data do último levantamento oficial, foram notificados cerca de 40 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxicos. No mesmo período, cerca de 1,9 mil pessoas morreram.[1]

A falácia patrocinada pelo agronegócio de que é preciso mais agrotóxicos para se produzir mais comida para a mesa do brasileiro não deve e não pode prosperar, haja vista que, na realidade, é a agricultura familiar e a agroecologia que produzem cerca de 70% de nossos alimentos.[2]

A nossa realidade é bem outra. Enquanto as commodities voltadas para a exportação, objetivando a produção de ração no primeiro mundo, enriquecem poucos, o cidadão comum está se valendo dos restos de comida em latas de lixo,[3] bem como de produtos de péssima qualidade como osso para sopa, simplesmente, para não morrer de fome.

Um estudo da USP evidencia que, em 2019, antes da pandemia, a taxa de extrema pobreza no país era de 6,6%, o que representa 13,9 milhões de pessoas. Já a taxa de pobreza era de 24,8%, afetando 51,9 milhões de brasileiros. Assim, considerando o valor médio de R$ 250 estabelecido para o auxílio emergencial em 2021, a taxa de extrema pobreza deverá ser de 9,1% (19,3 milhões de pessoas) e a de pobreza, de 28,9% (61,1 milhões de pessoas)[4].

O aumento da produção de agrotóxicos no país não está matando a fome das pessoas e, sim, as pessoas pela própria contaminação e intoxicação.

 Maior consumidor de agrotóxicos em volume de produto do planeta

 O Brasil vem sendo o país com maior consumo desses produtos desde 2008, até mesmo de produtos banidos em outros países, decorrente do desenvolvimento do agronegócio no setor econômico.

Com efeito, a média anual de uso dos agrotóxicos no Brasil entre 2012 a 2014 totalizou 877.782 toneladas, de acordo com o atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, de 2017, contabilizando: 334.628 toneladas no Centro-Oeste, 244.911 no Sul, 188.512 no Sudeste, 101.460 no Nordeste e 28.271 no Norte. Em 2017, com cerca de 550 mil toneladas de ingredientes ativos, o Brasil alcançou o título de maior consumidor de agrotóxicos em volume de produto do planeta, de acordo com os dados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados apresentados em audiência de 2019, em Brasília.[5]

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os agrotóxicos causam 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano, e que evoluem para óbito, em países em desenvolvimento. Outros mais de sete milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais também foram registrados.[6]

O Instituto Nacional do Câncer, por sua vez, tem alertado para a relação direta entre o aumento de casos de câncer com o aumento do uso de agrotóxicos, bem como para os resultados de estudos desenvolvidos no âmbito da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), os quais classificaram o herbicida glifosato e os inseticidas malationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos (Grupo 2A); e os inseticidas tetraclorvinfós e parationa como possíveis agentes carcinogênicos para humanos (Grupo 2B).[7]

Destaca-se que a malationa, a diazinona e o glifosato são autorizados e amplamente usados no Brasil como inseticidas em campanhas de saúde pública para o controle de vetores e na agricultura.

Vale salientar que, mesmo ainda sem a aprovação do Projeto de Lei nº 6.299/2002, que objetiva facilitar o registro dos pesticidas, autorizações para importações de ingredientes ativos; permissões para a inclusão de manipuladores e formuladores de pesticidas; além da expedição de vários atos de registros e solicitações recentes de pesticidas, muitos deles classificados como altamente ou extremamente tóxicos,[8] estão sendo emitidas em um ritmo alucinante.

Com efeito, nunca se aprovou tanto agrotóxico, e afins, como nos últimos anos no Brasil. Assim, tivemos em 2019 a aprovação de 474 registros de agrotóxicos; em 2020, chegamos a 493 e, em 2021, tivemos 441 agrotóxicos aprovados até o dia 29 de setembro.

Um total de 1.408 produtos liberados em plena pandemia, em tão pouco tempo! Certamente, não é a falta de agrotóxicos o gargalo do setor do agronegócio.

Além do mais, na realidade, trata-se de argumentação fragilizada e controversa, uma vez que temos muitos produtos registrados para uso no país, para as diversas culturas voltadas para a exportação e para diversas fitopatologias, inclusive, bem mais do que em países da União Europeia, assim como nos Estados Unidos. Citando apenas o exemplo da soja, temos 35 produtos aprovados no Brasil, dos quais 26 já foram banidos do continente europeu. Um absurdo que se repete para as culturas do café, citrus, cana-de-açúcar e milho.[9]

Ações equivocadas

Certamente, em pouco tempo, perderemos, mais ainda, espaço nesse competitivo mercado da exportação de commodities simplesmente por não ofertarmos produtos com certificação de origem e em total desarmonia com uma economia verde, e, principalmente, por se utilizar, cada vez mais, pesticidas proibidos nos países importadores.[10]

Em tempo, destacam-se três pontos que hoje amplificam os riscos da utilização dos agrotóxicos: a) o Brasil realiza pulverizações aéreas de agrotóxicos que, devido à dificuldade de controlar variáveis como o vento, ocasionam dispersão dessas substâncias pelo ambiente, contaminando amplas áreas e atingindo populações; b) a concessão de isenções de impostos à indústria produtora de agrotóxicos, incentivando cada vez mais o crescimento dessa indústria e c) o fato de o Brasil permitir o uso de agrotóxicos já proibidos em outros países.[11]

Agora, ao invés de o país promover ações voltadas para a consolidação de uma agricultura de baixo carbono, em observância às discussões desenvolvidas no âmbito da Conferência das Parte da Convenção-Quadro das Nações Unidos sobre Mudança do Clima (COP26), valorizando e incentivando, cada vez mais, os sistemas agroecológicos; a agricultura sintrópica; e o incremento da produção da agricultura familiar, o que testemunhamos, mais uma vez, é o esforço para tornar a emissão de registros de produtos perigosos e nocivos à saúde humana cada vez mais com menores exigências.

A recente edição do Decreto nº 10.833[12], de 7 de outubro de 2021, publicado no Diário Oficial da União em 8 de outubro de 2021, que facilita as regras para o registro, exportação, importação de produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, foi um verdadeiro artíficio, haja vista que o Projeto de Lei nº 6.299/2002, que trata do mesmo tema, ainda encontra-se em tramitação no Senado Federal, caracterizando-se, assim, um exemplo típico dessa linha de atuação.

O controle biológico de pragas precisa voltar a ser olhado como uma solução sustentável e inteligente para a questão.

O tributo que as vítimas da Union Carbide Corporation, na Índia – e das vítimas intoxicadas e mortas no restante do mundo e, de forma especial, aqui no Brasil –, merecem é traduzido na necessária adoção de uma política voltada para uma agricultura de baixo carbono; na segurança dos trabalhadores e das comunidades rurais; na priorização da proteção da população como um todo, para se evitar a ingestão de água e alimentos contaminados com agrotóxicos; e em um efetivo compromisso no sentindo de erradicar/amenizar a fome no nosso país, o que, necessariamente, passa pela priorização da produção de alimentos em bases similares à priorização da produção de commodities para exportação.

 A população e o meio ambiente agradecem!

Donizetti Aurélio do Carmo é engenheiro florestal e engenheiro agrônomo, assessor Técnico da Liderança do Partido Verde na Câmara dos Deputados e ex-diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama.

[1]https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2019/03/31/brasil-tem-40-mil-casos-de-intoxicacao-por-agrotoxicos-em-uma-decada.ghtml

[2] Portal Brasil. Agricultura familiar produz 70% dos alimentos consumidos por brasileiro. 2015. Disponível em:<http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/07/agricultura-familiar-produz-70-dos-alimentos-consumidos-por-brasileiro>. Acesso em: 02 maio 2018.

[3]https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/10/24/face-cruel-da-fome-mulheres-relatam-rotina-de-buscar-comida-em-caminhao-de-lixo-em-fortaleza.ghtml

[4]https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/06/4929384-apesar-do-crescimento-do-pib-dados-mostram-que-brasil-nunca-foi-tao-desigual.html

[5]https://www.ecodebate.com.br/2020/11/16/veneno-a-nossa-mesa-o-brasil-e-o-pais-que-mais-consome-agrotoxicos/

[6] https://www.inca.gov.br/en/node/1909

[7]https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//posicionamento-do-inca-sobre-os-agrotoxicos-06-abr-15.pdf

[8] Diário Oficial da União.

[9] Carmo, D.A do. Revista Pensar Verde nº 28 Ano 7,pgs 12-19

[10]Carmo, D.A do. Revista Pensar Verde nº 28 Ano 7, pgs 12-19

[11] http://www6.ensp.fiocruz.br/visa/?q=node/7490

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/governo-se-divide-na-acao-sobre-isencao-fiscal- para-agrotoxicos-em-curso-no-stf-22342745

[12] DOU. Publicado em 08/10/2021 | Edição: 192 | Seção: 1 | Página: 5

 [1]. https://reporterbrasil.org.br/2019/12/empresas-estrangeiras-desovam-no-brasil-agrotoxico-proibido-em-seus-proprios-paises/