O prazo termina no dia 2 agosto. Até lá, os prefeitos deveriam acabar com os quase três mil lixões que ainda existem no país e concluir a implantação dos seus programas de reciclagem. Não vão fazer uma coisa nem outra. Enquanto isso, ganha força no país um movimento que pretende transformar o problema, literalmente, em cinzas: a instalação das polêmicas usinas de incineração de resíduos.
Cidades do interior de São Paulo, como Barueri e Osasco, já estão seguindo por este caminho. O Rio também deve ganhar a sua Usina de Recuperação Energética (URE), como vem sendo chamada, prevista para operar em 2017. Essas usinas têm duas grandes vantagens. A primeira é transformar o lixo em energia. A nossa teria capacidade de gerar 30MW. Com os problemas energéticos que enfrentamos, esta poderia ser uma ótima alternativa.
O segundo benefício da incineração é que ao final do processo sobram, aproximadamente, 12% do volume original de lixo, agora transformado em cinzas. Elas podem ser usadas para a produção de asfalto ou como matéria-prima para a construção civil. O obelisco de Ipanema teria sido construído, em parte, com entulho de concreto incinerado. Se não for usado, esse lixo do lixo vai para os aterros sanitários, que seriam em menor número em função da redução na quantidade de resíduos.
Ora, um projeto que transforma lixo em energia, reduz o volume de resíduos e diminui a necessidade de aterros sanitários não pode ser considerado um problema. Está mais para solução, quase uma mágica.
É aí que mora o perigo. As pessoas, de um modo geral, e os prefeitos, em particular, adoram soluções mágicas. Aquelas que dão menos trabalho e mais votos. Mas a vida não é tão simples. Existem pelo menos três pontos que precisam ser analisados com mais cuidado quando se fala em incineração de lixo.
Para começar, a iniciativa é cara. A energia vinda do lixo chega a custar mais do que a já caríssima energia solar. O investimento inicial em cada unidade varia entre R$ 250 milhões e R$ 300 milhões. Cerca de R$ 300 por MWh contra R$ 200 por MWh da energia solar. Mas esse é o menor dos problemas, o ganho de escala ao longo do tempo e os benefícios para o saneamento resolveriam a questão.
250 milhões
Este é o custo, em média, de uma usina de incineração de lixo com potencial de produzir entre 20 MW e 30 MW de energia. Apesar de caros, os projetos começam a ganhar espaço no Brasil e provocam um bom debate sobre vantagens e desvantagens.
A poluição é outro item a ser considerado. As cinzas geradas pela combustão contêm mercúrio, chumbo, cádmio, arsénio e substâncias cancerígenas como dioxinas e furanos. Os especialistas têm uma preocupação especial com as partículas menores que um mí-cron, que não são retidas pelos filtros incineradores. Já os defensores da tecnologia argumentam que as moléculas cancerígenas seriam equivalentes às produzidas por veículos com motores a diesel. O fato é que a poluição dos lixões, que contamina o solo e a água, seria transferida para a atmosfera.
Mas o maior empecilho para a implantação das usinas de incineração de lixo reside no fato de que elas são conceitualmente insustentáveis. Um resíduo queimado hoje significa que outro terá que ser produzido amanhã usando matéria-prima virgem e mais energia. Não faz sentido. A ideia de reduzir o consumo, reutilizar os produtos e reciclar o que não serve mais vai por água abaixo. Por que ter esse trabalho todo se tudo pode ser queimado depois?
Das quase 260 mil toneladas de lixo produzidas diariamente no Brasil, cerca de 60% são resíduos orgânicos, com altos índices de umidade. Uma usina-queimando apenas lixo orgânico é muito mais cara, quase inviável. Elas precisam de materiais que queimem mais facilmente, exatamente aqueles que deveriam ser reciclados. Na prática, é como se estivessem jogando fora matéria-prima e energia.
Na verdade, se as pessoas separassem o lixo em casa como devem, se as prefeituras tivessem programas de reciclagem e as empresas fizessem o seu papel implantando a logística reversa, as usinas de incineração não existiriam. Elas ganham espaço exatamente por conta da incapacidade dos nossos gestores de por em prática a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010.
Funciona com uma espécie de muleta ou uma cinta que contrai a barriga. Serve por um tempo, quebra o galho, mas não resolve o problema Mesmo do ponto de vista energético, a economia provocada pela reciclagem é muito maior do que os aparentes ganhos das usinas de incineração. Só que o melhor caminho, neste caso, é longo e trabalhoso. E tem muita gente precisando de resultados no curto prazo, mesmo que eles sejam mais caros, em todos os sentidos.
Agostinho Vieira
O Globo