Estudos comprovam que a exposição da população a certas substâncias usadas na indústria química causam distúrbios neurocomportamentais. A estimativa é que se as taxas de uso de agrotóxicos forem mantidas, em 2025, uma a cada duas crianças americanas serão autistas.
Os agrotóxicos têm relação direta com o aparecimento de doenças na população e há anos inúmeros estudos comprovam essa afirmação. Dessa vez a doença relacionada é o autismo. De acordo com os estudos da bióloga PhD, Dra. Stephanie Seneff, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), são associadas diversas substâncias tóxicas de largo uso (HPV ou high production volume) sintetizadas pela indústria química, como o glifosato da Monsanto, por exemplo, e toda uma série de distúrbios neurocomportamentais em aumento explosivo, inclusive o autismo. Para Stephanie, “mantidas as taxas atuais, por volta de 2025 uma em cada duas crianças [nos EUA] serão autistas”, progressão associada por essa pesquisadora, entre outros fatores, ao uso crescente de glifosato no cultivo do milho e da soja a partir dos anos 1990.
A constatação de Stephanie se associa a outros estudos, como o publicado em 23 de junho de 2014 na revista Environmental Health Perspectives, mostrando que uma gravidez desenvolvida nas proximidades de uma fazenda na qual se faça uso de pesticidas corre um risco 66% mais elevado de gerar uma criança diagnosticada com autismo. Ainda segundo a publicação, em 1975, apenas uma em cada cinco mil crianças nascidas nos EUA sofriam de autismo. Em 1995, para cada 500 crianças nascidas nesse país, uma era vítima dessa síndrome (compreendendo o autismo profundo e as chamadas síndromes de Rett e de Asperger). Essa proporção passou no ano de 2000 para uma criança em cada 150; em 2012 para uma criança em cada 88 e em 2014 para uma criança em cada 68. Um aumento assustador e progressivo.
Apesar dos dados dizerem respeito dos EUA, o Brasil assume uma posição de grande risco quanto à exposição aos efeitos dos agrotóxicos, já que se tornou há precisamente 10 anos o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, com uma média de 5 litros por ano per capita e sem sinais de mudanças nas regras do uso dessas substâncias. O modelo agropecuário brasileiro imita o modelo norteamericano, inclusive chamando de defensivo agrícola o chamado agrotóxico, além da forma com a qual a economia do mundo se move, pautado pelo capitalismo no qual há escoamento da produção para ter excedente. Mas, excedente pra que ou pra quem? Esse excesso na produção traz um desperdício alimentar gigantesco que já bate na casa das 40 mil toneladas anualmente desperdiçados só no Brasil, de acordo com a coordenadora de Mudanças Climáticas do World Resources Institute (WRI) Brasil, Viviane Romeiro. No mundo, cerca de 30% de tudo o que é produzido é desperdiçado e perdido antes de chegar à mesa do consumidor, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil.
No livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”, ganhador do Prêmio Jabuti 2016, o historiador Luiz Marques alerta para o risco de que as próximas gerações não saibam se defender dessa mentalidade de desperdício. Segundo Luiz, o sistema capitalista nutre a sociedade com desejos que poderão ser realizados momentaneamente. Assim, o pensamento do coletivo em detrimento do individual perde espaço. “Como fazer com que as pessoas se solidarizem com o planeta que não aguenta mais?”, questiona, Luiz. Segundo o professor e historiador, o sistema encontra barreiras para esse tipo de mentalidade em sociedades fechadas e culturalmente elevadas. Para ele, a única forma de reagir é reatar os laços humanos e brigarmos apenas pela natureza.
Tragédia anunciada – Já em 1996, a informação de que a interferência dessas substâncias químicas industriais no sistema endócrino, incluindo o desenvolvimento fetal, poderia causar alterações neurocomportamentais e diminuição da fertilidade foi denunciada no livro que fez época: Our stolen future.
O editorial de 2012 da mesma revista citada acima – Environmental Health Perspectives (25/IV/2012), intitulado “A Research Strategy to Discover the Environmental Causes of Autism and Neurodevelopmental Disabilities”, publicou estudos prospectivos associando comportamentos autistas com exposições pré-natais a inseticidas que inibem a transmissão dos receptores do sistema nervos, chamados organofosforados clorpirifós.
O editorial traz o conceito de autismo e afirma ser um transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), retardamento mental, dislexia e outras desordens de base biológica que afetam entre 400 mil e 600 mil das 4 milhões de crianças nascidas nos EUA a cada ano. Além disso, estudos prospectivos adicionais associaram perda de inteligência (QI), dislexia e TDAH a chumbo, metilmercúrio, inseticidas organoclorados, bifenilos policlorados, arsênio, manganês, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, bisfenol-A, retardantes de chamas brominados e compostos perfluorados. Substâncias químicas tóxicas causam lesões no desenvolvimento do cérebro humano por meio de toxicidade direta ou de interações com o genoma.
Nos últimos 50 anos, mais de 80 mil novos compostos químicos foram desenvolvidos pela indústria. A Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA, identificou 3 mil substâncias químicas consideradas como “volume de alta produção” ou HPV, que são substâncias químicas produzidas ou importadas nos EUA em quantidades iguais ou maiores que 500 toneladas por ano, de uso extremamente corrente e, portanto, com enorme potencial de exposição humana.
De acordo com o estudo da revista Environmental Health Perspectives, essas substâncias químicas HPV são usadas hoje em milhões de produtos de consumo final. Crianças e mulheres grávidas são extensamente expostas a elas e levantamentos realizados pelos Centros de Controle e Prevenção de Moléstias (CDC, sigla em inglês), detectaram níveis quantificáveis de aproximadamente 200 substâncias químicas HPV no corpo de virtualmente todos os norte-americanos, incluindo mulheres grávidas.
Ainda em seu estudo sobre o uso do glifosato, Dra. Stephanie Seneff apontou que grande parte dos alimentos em prateleiras de supermercado contém milho e soja transgênicos, todos com pequenas quantidades de vestígios de glifosato. Isto inclui refrigerantes adoçados com alto teor de frutose (geneticamente modificados) e xarope de milho, batatas fritas, cereais, doces, e até mesmo barras de proteína de soja. Grande parte da carne e aves também são alimentadas com uma dieta de milho e soja transgênicos, os quais também contêm traços de glifosato.
Portanto, quando pensamos em tudo o que é ingerido pelas pessoas a avaliação é de que estamos comendo glifosato em quase todos os alimentos que ingerimos e ele está causando doenças graves. A Dra. Seneff diz que, embora os traços de glifosato em cada alimento possam não ser grandes, o seu efeito cumulativo é o verdadeiro motivo de preocupação. Essa preocupação parece bem fundamentada, considerando que tem sido encontrado glifosato no sangue e na urina de mulheres grávidas, e ele tem aparecido até mesmo em células fetais.