A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída no estado do Pará, mais precisamente em Vitória do Xingu, é uma das obras mais polêmicas já projetadas no Brasil. Há 30 anos estuda-se a possibilidade de sua construção e, mesmo com tanto tempo para ser projetada, os investimentos necessários para mitigar e compensar de maneira adequada seus impactos ambientais não foram feitos. Por causa das obras, a cidade inchou 30% em apenas dois anos e já faltam casas, escolas e hospitais. Além disso, o custo de vida aumentou e a usina não trouxe benefícios econômicos para a região, já que a grande maioria dos insumos, de tratores a alimentos, são comprados de fora do Pará.
Desde a liberação da Licença de Instalação (LI) pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2011, 23 condicionantes foram estipuladas para a empresa responsável pela construção, a Norte Energia, tanto para mitigação e compensação do espaço, quanto para o monitoramento dos impactos. Porém, dessas 23, apenas quatro foram atendidas, segundo relatório mais recente do Ibama. O sistema de drenagem de Altamira, que deveria ter iniciado suas atividades em março de 2013, ainda não tem projeto, além disso, já são mais de dois anos de atraso para o início das obras de abastecimento de água e esgotamento sanitário da região. O Ibama, órgão responsável por fiscalizar a Norte Energia e estipular eventuais multas, não atendeu à equipe de jornalismo da Fundação Verde para prestar esclarecimentos sobre o assunto.
Para demonstrar a gravidade da situação, o Instituto Socioambiental (ISA) divulgou em fevereiro deste ano uma nota técnica com dados que comprovam as irregularidades de Belo Monte. Segundo o instituto, a usina cumpriu apenas 15% dos compromissos de prevenção, mitigação e compensação de impactos relativos aos direitos territoriais nas doze Terras Indígenas afetadas pela obra. Essa nota técnica é resultado de mais de um ano de análise e investigação acessados pelo Serviço de Informações ao Cidadão (SIC). Mais uma vez, a equipe de reportagem foi apurar com a Fundação Nacional dos Índios (Funai) a respeito do descumprimento dessas condicionantes, mas não obteve resposta alguma. Outro entrave para a apuração foi a falta de uma rotina de publicação de relatórios de acompanhamentos, por parte da Funai.
Considerada carro chefe das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, Belo Monte é, ao mesmo tempo, campeã em inadimplência socioambiental. Além dos problemas com as condicionantes descumpridas, irregularidades no corte e destinação da madeira desmatada para a instalação das obras também entram em questão. Com a construção de Belo Monte, todas as pessoas que moram em áreas de Altamira abaixo da chamada “cota 100”, que significa 100 metros acima do nível do mar, estão sendo removidas. O número que pode ser chegar a mais de 25 mil pessoas.
Em notas divulgadas pela imprensa, o Ibama afirma que todos os estudos foram feitos e que as medidas compensatórias estão sendo providenciadas, inclusive sujeitas a multas para a Norte Energia caso não sejam cumpridas. Até o momento, a Norte Energia já foi multada três vezes: em fevereiro e outubro de 2012 e a última em outubro de 2013. Entre os motivos da penalidade estão a construção ilegal de um ramal de transmissão que leva energia de Altamira aos canteiros de obras, a não execução de obras de drenagem urbana nas cidades atingidas e a ausência de um bairro específico para o reassentamento dos pescadores.
Ainda segundo o ISA, os impactos não param nas questões ambientais. A saúde dos índios tem sido gravemente afetada com a construção de Belo Monte. Em 2012, nove em cada dez crianças indígenas das aldeias atingidas pela usina apresentaram diarreia aguda por mais de uma vez e a taxa de mortalidade infantil em Altamira está quatro vezes superior à média nacional.
A empresa Norte Energia – empreendedora responsável pela construção da hidrelétrica que é, em grande parte, controlada pela União – afirma que 45% de suas obras civis já estão concluídas e a previsão é de que, em fevereiro de 2015, a usina comece a operar algumas de suas linhas de transmissão. Belo Monte terá 11,2 mil megawatts (MW) de potência instalada quando estiver concluída. Na média, entretanto, a geração será bem menor: 4.419 MW, o que representa 5,5% da energia brasileira. Apesar de estar programada para iniciar suas operações em janeiro de 2015, a construção de Belo Monte deve se estender até 2019, quando finalmente 100% das obras devem ser concluídas.
Portanto, proporcionalmente, a campeã em impactos socioambientais irá gerar uma quantidade tão pequena de energia. Uma pergunta fica no ar: vale a pena todo esse impacto para tão pouca produção energética?
Licenças de Belo Monte – A legislação brasileira diz que para construir qualquer empreendimento é necessário que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) faça estudos georreferenciados e, diante dos resultados, conceda as licenças necessárias para o início das obras. De acordo com o Ibama, todos os estudos foram feitos como manda a Constituição. A partir de então, em 2010, foi concedida a primeira licença para a construção de Belo Monte, a Licença Prévia.
Depois disso, já em junho de 2011 foi liberada a Licença de Instalação definitiva para a construção da Usina, sob alegação de que 40 condicionantes previstas na licença prévia haviam sido atendidas. No segundo semestre de 2014, a Licença de Operação pode ser emitida, permitindo que o Rio Xingu seja barrado definitivamente. Os nove povos indígenas atingidos já se deparam com os problemas de uma obra que segue campeã em inadimplência socioambiental e querem a implantação integral dos planos de saúde, educação e proteção de suas terras.
Em 7 de fevereiro deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou leilão para a construção da linha de transmissão que ligará a hidrelétrica de Belo Monte aos centros consumidores de energia na região Sudeste. O que revela outro problema, já que no caminho em que passariam as linhas de transmissão está a Região Amazônica que, segundo o próprio Ibama, tem grande parte alagada e, por isso, o caminho deve ser modificado, afetando outras áreas adjacentes, causando mais impactos ambientais.
Por Larissa Itaboraí