Entenda por que algumas cidades sofrem com o excesso de chuvas e outras, com a seca
O verão é, sem dúvida, a estação do ano mais aguardada por muitos brasileiros. Aqui no Hemisfério Sul, ele começa em dezembro e acaba em março. Boa parte das crianças e dos jovens tem férias nessa época e as famílias aproveitam para se divertir ao ar livre e curtir o sol, a praia, o mar, os rios. Os dias são mais longos e as noites, mais curtas. As temperaturas e os índices pluviométricos elevam-se. Geralmente, no fim do dia, pode haver chuvas intensas, mas passageiras – as famosas chuvas de verão.
Porém, para meteorologistas e órgãos de defesa civil do país, a estação pode ser sinônimo de temporais, deslizamentos de terra, enchentes e muita destruição, o que afeta boa parte da população brasileira todo ano, em especial aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Essa preocupação dos especialistas é mais que legítima. Desde o início deste verão, o excesso de chuvas em parte das regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste tem deixado rastros de destruição. Um dos estados mais afetados foi a Bahia. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Ilhéus, município ao Sul, registrou 136mm de chuva só no dia 25 de dezembro de 2021 – acima do acumulado em todo o mês de dezembro de 2020 (118mm).
Segundo a meteorologista Josélia Pegorim, hostdo podcast“ O clima entre nós”, da Climatempo, “100mm de chuva em 24 horas é muita água em qualquer lugar do planeta. Agora, uma coisa é cair 100mm de chuva em uma plantação lá no Mato Grosso ou no Rio Tocantins; outra coisa é cair 100mm de chuva numa pequena cidade do Sul da Bahia ou numa área de encosta, de serra. A chuva é a mesma, mas o impacto que ela vai ter não”.
Embora o Inmet considere que a causa dessa overdose de chuvas em parte do Brasil seja a Zona de Convergência do Atlântico Sul, muitos meteorologistas associam-na ao fenômeno La Niña, ao ciclone subtropical e ao aquecimento global.
Há desastres e desastres
A geóloga Aline Freitas, em entrevista ao podcast “O clima entre nós”, cita terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas como exemplos de desastres naturais que não ocorrem devido a influência antrópica (humana); já deslizamentos de terra e inundações, sim.
Freitas esclarece que, para se entender a suscetibilidade a deslizamentos e enchentes, devem ser analisados os fatores naturais predisponentes e as características geomorfológicas de cada local, porém, na maioria dos casos, esses desastres decorrentes do excesso de chuvas em comunidades urbanas têm forte componente humano.
Construções em encostas, terrenos irregulares, precária ou nenhuma infraestrutura de água e esgoto, inexistência de descarte e recolha correta de resíduos, concentração de água e esgoto no solo são algumas características que tornam uma área mais suscetível a inundações e escorregamentos de terra quando da abundância de chuva.
A geóloga ressalta que boa parte dessas tragédias podem ser evitadas, pois resultam da soma de três fatores principais: a exposição ao perigo, a vulnerabilidade e a capacidade de resposta ao lidar com as consequências desse perigo.
Assim, a magnitude e a ocorrência ou não desses desastres variam muito a depender da urbanização (planejamento das cidades), diretamente relacionada à vulnerabilidade socioeconômica da população (em geral, as pessoas não vivem em áreas de risco e em condições precárias por escolha, mas por necessidade), e à capacidade de resposta do poder público local (tanto para prevenir quanto para amparar).
Saldo trágico
Em meio ao caos, vai se desenhando o saldo trágico da falta de políticas públicas de prevenção e enfrentamento de catástrofes e desastres como o que estamos vendo mais uma vez – só que com maior intensidade – no verão brasileiro.
Um levantamento da Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) com várias prefeituras mostra que 132 municípios baianos terminaram 2021 em situação de emergência. Foram registradas 24 mortes e 629 mil pessoas foram afetadas de alguma forma pelas enchentes – 434 feridas, perto de 54 mil desalojadas (sem acesso à própria casa) e quase 54 mil desabrigadas (sem moradia).
As intensas e volumosas chuvas que caíram na Bahia no final de dezembro e início de janeiro também chegaram ao Sudeste provocando mais destruição. Até a segunda semana de janeiro de 2022, a Defesa Civil de Minas Gerais havia registrado uma dezena de mortes em decorrência dos temporais, 145 municípios haviam declarado situação de emergência e a estimativa era de cerca de quatro mil famílias desabrigadas e quase 15 mil desalojadas.
Diante desses saldos, é urgente que os governantes repensem o planejamento urbano, os investimentos em moradias dignas em locais seguros e com apropriados sistemas de água, esgoto e coleta de resíduos, bem como os programas de transferência de renda e a implementação de educação ambiental crítica e acessível a todos.
Os extremos climáticos
Enquanto as regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste sofrem com o alto índice pluviométrico, a Região Sul amarga uma seca decorrente da escassez de chuvas e das altas temperaturas, com termômetros na casa dos 40° C. Há três meses não chove significativamente na região. Até a segunda semana de janeiro, 200 municípios gaúchos haviam decretado situação de emergência devido à estiagem prolongada.
Especialistas vêm alertando para o aumento da frequência e da intensidade de extremos climáticos como os que vêm ocorrendo nesse início de verão 2021-2022 no Brasil: escassez hídrica na Região Sul e em parte da Região Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte) e excesso de chuva em parte da Região Nordeste (especialmente no Sul da Bahia) e das regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste.
Esses eventos climáticos extremos serão cada vez mais intensos no mundo todo e vêm comprovando o papel de destaque da (ir)responsabilidade humana na catástrofe ambiental que vivemos, exaustivamente anunciada por uns e negada por alguns.
Por Caroline Cardoso