“O comércio ilegal de espécies de animais selvagens é outra ameaça, aumentando os riscos de doenças zoonóticas como o ebola e a covid-19.” O alerta foi feito esta semana pelo secretário geral das Nações Unidas (ONU), Atónio Guterres, em virtude do Dia Mundial da Vida Selvagem, celebrado hoje (3/3).
Ainda são desconhecidos a origem e os caminhos do coronavírus. Os estudos prosseguem, mas a covid-19 pode estar ligada a um patógeno zoonótico existente em morcegos selvagens, o qual pode ter sido passado para humanos por meio de um animal intermediário.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodoc) chama a atenção para o fato de que a pandemia da covid-19 é um alerta para repensar as abordagens globais de proteção à natureza “e, em última análise, a saúde de bilhões de pessoas”.
Embora não haja evidências conclusivas até o momento, os resultados realmente vêm sugerindo que o pangolim, extremamente visado pelo tráfico, “é um reservatório de coronavírus”, e pode ter sido o transmissor para os humanos.
De quem é a culpa?
E aí fica a pergunta: de quem é a culpa, do morcego? Do pangolim? “Apesar da proibição internacional do comércio de todas as espécies de pangolins desde janeiro de 2017, pangolins continuam a ser os mamíferos mais traficados do mundo para o consumo de carne e uso pela medicina tradicional chinesa”, ainda segundo o Unodoc.
Em 2019, autoridades de Cingapura confiscaram 25 toneladas de escamas de pangolim africano (o equivalente a aproximadamente 50 mil animais, e um valor no mercado negro de US$ 7 milhões), enviadas da Nigéria e destinadas ao consumo na China e no Vietnã. “O combate ao tráfico ilícito de animais silvestres é a chave para prevenir futuras pandemias decorrentes de patógenos zoonóticos”, adverte a organização.
O fato é que há um comércio paralelo ilegal direcionado a espécies selvagens traficadas em grande parte para a Ásia a partir de todo o mundo, ou criadas em cativeiro, “como demonstrado pelas recentes apreensões de mais de 45 mil aves vivas e partes de animais que podem ser atribuídas a um equivalente de 2,2 mil tigres e 3,8 mil ursos” – dados da ONG Traffic (Rede de Monitoramento do Comércio de Animais Selvagens) de fevereiro de 2020 citados pelo Unodoc.
Segundo a ONG WWF, o tráfico de vida selvagem (animais e plantas), avaliado em US$ 26 bilhões por ano, é o quarto maior comércio ilegal do mundo, depois das drogas, do tráfico de pessoas e das falsificações, e a Ásia é o epicentro. Ao todo, 100 tigres, mil rinocerontes e 20 mil elefantes são perdidos para esse mercado anualmente.
O tráfico da morte
No Brasil, de acordo com a ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), 38 milhões de animais silvestres são retirados da natureza todos os anos. Desse total, 9 de cada 10 animais traficados morrem antes de chegar às mãos do consumidor final. Esse é um comércio ilegal que movimenta US$ 2 bilhões anualmente no país. No ranking da Renctas, o tráfico de animais silvestres é a terceira atividade ilegal do mundo, atrás apenas dos tráficos de armas e de drogas.
Não é à toa que dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) mostram que 25% de todas as espécies do planeta (todos os animais selvagens e tipos de plantas) correm risco de extinção nas próximas décadas.
E o que alimenta esse mercado? Por que ele sobrevive? O valor de mercado e o status que alguns desses produtos ou animais da vida selvagem geram, pois muitos são considerados itens de luxo. Mas há tem também a crença cultural a respeito de propriedades medicinais ou revigorantes.
As florestas pedem socorro. E os humanos também
O tema deste ano do Dia Mundial da Vida Selvagem é “Florestas e meios de subsistência: sustentando pessoas e o planeta”, uma celebração aos meios de subsistência com foco nas florestas e uma promoção dos modelos e práticas de gestão da vida florestal que unam o bem-estar humano e a conservação de longo prazo da fauna e da flora. Outro ponto é a valorização das práticas e dos conhecimentos dos povos tradicionais das florestas e a sua relação sustentável com esses ecossistemas fundamentais à vida no planeta.
“O mundo perde 4,7 milhões de hectares de floresta” anualmente, uma área superior à da Dinamarca, destaca o secretário geral da ONU, António Guterres. “A agricultura não sustentável é a principal causa. O mesmo acontece com o tráfico global de madeira, que corresponde a até 90% do desmatamento tropical em alguns países.”
As florestas do planeta não somente abrigam cerca de 80% de todas as espécies selvagens terrestres, como também ajudam a regular o clima e apoiam a subsistência de milhões de pessoas. “Cerca de 90% das pessoas mais pobres no mundo dependem de alguma forma dos recursos florestais”, contabiliza. A exploração não sustentável das florestas afeta essas comunidades e contribui para a perda da biodiversidade e para as alterações do clima.
“Apelo aos governos, às empresas e às pessoas em todos os lugares que intensifiquem os esforços para conservar as florestas e as espécies florestais, e apoiar e ouvir as vozes das comunidades florestais”, conclama o secretário geral das Nações Unidas.
Nos unimos a essa e a outras vozes, à voz das comunidades das florestas e à de todos os que lutam pela preservação de nossa fauna e de nossa flora, e deixamos um apelo, um grito: Cada bicho no seu lugar e todos juntos pelo planeta! Por nossas vidas e pela de todos os seres vivos. Nenhum valor material deve ser colocado acima da vida dos animais e das florestas, das nossas vidas, de nossos filhos, netos, bisnetos… da vida na Terra.
Por que 3 de março?
O Dia Mundial da Natureza Selvagem, criado pela ONU em 2013, não apenas celebra a fauna e a flora do planeta, como também objetiva conscientizar a população sobre os perigos da exploração excessiva dos recursos naturais. Agora, mais do que nunca, ela alerta para os perigos da destruição das florestas e do tráfico, da domesticação e do consumo de carne de animais selvagens.
Foi no dia 3 de março de 1973 que a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites), também conhecida como Convenção de Washington – à qual o Brasil aderiu em 1975 –,foi assinada em Washington.
Para saber mais:
Programação oficial do Dia Mundial da Vida Selvagem
Traffic Report – Southeast Asia: at the heart of wildlife trade
WWF – Quarto maior comércio illegal do mundo
Renctas – 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Animais Silvestres