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Alimentação vegana nem sempre é sinônimo de alimentação saudável

Especialistas explicam a importância de uma dieta balanceada e sem a presença de produtos industrializados, mesmo que tenham selo vegano

Ao contrário do que muitos acreditam, a alimentação vegana nem sempre é sinônimo de dieta saudável e natural. A Fundação Verde conversou sobre o tema com Ana Ceregatti, nutricionista clínica especializada em alimentação vegetariana, idealizadora do projeto de educação popular Escola de Nutrição: Integral, Vegetal e Natural e colunista da revista dos vegetarianos, e com Lydiane Rodrigues, mestre em nutrição e saúde pela Universidade Federal de Goiás (UFG), pioneira em nutrição vegetariana e emagrecimento consciente em Goiás e nutricionista clínica em Águas Claras, Distrito Federal.

As nutricionistas advertem que qualquer dieta deve ser balanceada. Muitos acreditam que, por haver saladas, por exemplo, nos pratos de vegetarianos e veganos, eles são saudáveis. As saladas são parte importante desse tipo de alimentação, porém não são sua base.

Nesses casos, cereais integrais e feijões são a base, e os elementos de cada grupo alimentar (amiláceos, cereais, frutas, legumes, leguminosas, oleaginosas, óleos e verduras) devem ser variados de maneira a suprir a necessidade diária de nutrientes.

Do ponto de vista nutricional, alimentos de origem vegetal suprem nossas necessidades diárias de carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas, minerais e fitoquímicos. No entanto, eles precisam estar combinados de maneira adequada para evitar déficit nutricional, por isso é tão importante o acompanhamento de um nutricionista.

 

Em relação à proteína, por exemplo, as especialistas explicam que todos os alimentos vegetais, com raras exceções, apresentam algum teor dessa molécula. Ela está presente em graus diferentes nos cereais (arroz, milho, trigo, quinoa, aveia, centeio); em menor grau em verduras, legumes, frutas e tubérculos e com menos variações ainda nas leguminosas (feijão, grão-de-bico, lentilha, soja, ervilha, favas, tremoço).

Ceregatti chama a atenção para o fato de que a exclusão da carne da típica alimentação brasileira – arroz, feijão, carne, verduras e legumes – não afeta a saúde, pois as leguminosas apresentam um bom teor de proteína. Portanto, é muito importante que vegetarianos e veganos consumam leguminosas (os feijões) e oleaginosas (as castanhas) para terem proteína de boa qualidade no organismo.

Além disso, é preciso estarem atentos às necessidades diárias de gordura. Para Rodrigues, temos de olhar para os alimentos como um todo. Ela enfatiza que a carne tem proteína e gordura, portanto, em dietas à base de plantas, isso precisa ser considerado, pois a gordura, muito importante para a absorção das vitaminas A, D, E e K, por exemplo, é encontrada, predominantemente, em oleaginosas (nozes, pistache, castanha-do-pará, avelã, macadâmia, castanha de caju e amêndoas), leguminosas (amendoim) e óleos (azeites, óleo de soja, girassol, linhaça etc.).

Segundo Rodrigues, quando um adepto da alimentação baseada em plantas não ingere a quantidade diária necessária de gordura, pode apresentar perda acentuada de peso, deficiência de vitaminas, alteração dos hormônios sexuais, entre outros problemas.

“De dez pacientes que atendo, oito não consomem oleaginosas, castanhas, sementes, a principal fonte de gordura na dieta vegana/vegetariana.”

Lydiane Rodrigues

Dieta natural e saudável versus indústria do veganismo

Uma pesquisa realizada na América Latina pela Ingredion em 2020 apontou que cerca de 90% dos latino-americanos buscam uma alimentação mais saudável e nutritiva em produtos vegetais e que dois entre três entrevistados estão dispostos a comer menos carne.

Para 56% deles, o cuidado com a saúde é o principal fator de decisão para a compra de alimentos à base de plantas e 67% dos participantes da pesquisa consideram muito importante a sustentabilidade das marcas. Apenas 28% preferem esses alimentos por conta do valor nutricional.

Entretanto, é muito importante ficar atento às armadilhas do mito “toda alimentação vegana é saudável”. Para Ana Ceregatti, especialmente agora que o mercado de alimentos veganos está muito aquecido, aumentou a confusão: “Parece que basta vir com o selo vegano para a pessoa associar [o produto] a uma alimentação saudável e natural”.

Selo vegano nacional

O mercado oferece hoje uma série de alimentos (hambúrgueres, sorvetes, chocolates, salgadinhos, bolachas, snacks) com selo vegano, mas que não têm nada de saudável e natural. São alimentos industrializados que, como qualquer produto desse tipo, apresentam uma série de ingredientes que tornam as refeições mais calóricas, menos nutritivas e aumentam as chances de problemas gástricos, respiratórios, hormonais, cardiovasculares, entre outros.

Rodrigo Ceregatti e Ana Ceregatti

Foto: Divulgação

Com o propósito de desconstruir a ideia de que toda dieta vegetariana é natural e saudável, Ceregatti conta que os estudiosos do tema têm adotado o termo dieta à base de plantas, do inglês plant-based. Mas o mercado também já se apropriou desse termo: “Tem vários fabricantes colocando baseado em plantas nos rótulos e isso já desvirtuou totalmente esse conceito do integral, vegetal e natural”.

Assim, ela vem adotando o termo dieta integral, vegetal e natural em seu consultório e na Escola de Nutrição – um projeto de educação alimentar para o público em geral, idealizado por ela e pelo sociólogo Rodrigo Ceregatti, seu filho.

A denominação integral, vegetal e natural é importante para fugir das armadilhas da indústria, pois diferencia alimentação vegana industrializada de alimentação vegana realmente natural e saudável, com base em comida de verdade.

Aumento de adeptos da dieta vegana e queda no consumo de carne

Uma pesquisa da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) conduzida pelo Ibope em abril de 2018 constatou que pelo menos 30 milhões de brasileiros se declaram vegetarianos – 14% da população. Isso representa, segundo a entidade, um crescimento de 75% em relação a 2012. Ainda segundo a SVB, desses 30 milhões de vegetarianos, cerca de sete milhões são veganos – 32% da população.

Os dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) mostram prejuízos para o setor devido à queda no consumo de carne bovina no país – 5% de baixa em 2020, o equivalente a 36 quilos por pessoa – e a interrupção da entrada de carne brasileira na China desde 4 de setembro de 2021.

Esses dados sinalizam o surgimento de demandas para atender um público vegano que vem crescendo, porém com foco nos industrializados, que não são saudáveis nem nutritivos. Os adeptos de uma dieta à base de plantas devem, portanto, estar atentos ao fato de que – perdão pelo trocadilho – podem estar “comprando gato por lebre”.

Um fator importantíssimo para repensar o consumo de carne é o meio ambiente, já que a pecuária e a produção de soja e milho para ração, entre outras, são práticas responsáveis por altas taxas de emissão de gases de efeito estufa e pelo desmatamento.

Entenda o que é a dieta vegetariana estrita ou vegana

As dietas vegetarianas apresentam variações de acordo com a inclusão ou exclusão de algum produto do cardápio diário. Aqueles que não consomem carne de nenhum tipo – incluindo salsicha, atum enlatado, salame, presunto, mortadela etc. –, mas utilizam ovos e laticínios na dieta, são ovolactovegetarianos. Pessoas que não consomem carnes e ovos, mas utilizam laticínios, são lactovegetarianas. E aquelas que não consomem carnes e laticínios, mas utilizam ovos, são ovovegetarianas.

Pessoas que não consomem alimentos e produtos de origem animal, mel, por exemplo, e produtos que incluam derivados animais entre os ingredientes – como o corante carmim (cochonilha), obtido a partir de insetos e bastante usado na indústria alimentícia e cosmética – são vegetarianas estritas, mais popularmente conhecidas como veganas. No entanto, segundo a nutricionista especializada em nutrição vegetariana Ana Ceregatti, o veganismo é um estilo de vida bastante amplo que inclui a dieta vegetariana estrita.

Aquelas e aqueles que seguem esse movimento optam por não consumir nada de origem animal ou que impute dor e sofrimento aos animais. Muitos elementos, de alimentos a opções de lazer, compõem esse estilo de vida. Então, veganos evitam usar objetos que contenham qualquer elemento extraído de ou testado em animais – roupas de couro, lã e seda; cosméticos e maquiagens; produtos de limpeza e velas. Também evitam patrocinadores do agronegócio e não frequentam rodeios, circos, zoológicos ou parques em que animais são usados como forma de lazer e diversão.

“Para ser vegano, do ponto de vista alimentar, basta não comer nada que contenha alimentos de origem animal. Mas, se a pessoa se intitula vegana, talvez o termo não caiba se ela mantiver o uso ou o consumo de produtos de origem animal em outras esferas da vida.”

Ana Ceregatti

Uma trajetória marcada pelo vegetarianismo

Há nove anos, a nutricionista Lydiane Rodrigues começou sua atuação em Goiânia e hoje tem consultório em Brasília, mas atende pacientes do mundo todo. Ela conta que, no começo da carreira, atendia adeptos de todos os tipos de alimentação. Quando se mudou para Brasília em 2014, começou a atender apenas vegetarianos e veganos.

Mas o início de sua trajetória na nutrição vegetariana começou muito antes de ela se tornar nutricionista. Por volta dos três anos de idade, Lydiane teve o primeiro contato com a alimentação baseada em plantas, porque seu pai tornou-se vegetariano.

“Imagina um agricultor e pecuarista, morando no interior de Goiás, na década de 90, decidir parar de comer carne. Era um domingo, ele se sentou com a gente na sala e comentou que, a partir daquele momento, não comeria carne. Ele frisou que não iria nos obrigar a parar de comer carne e explicou os motivos que o levaram a tomar essa decisão. Eram questões espirituais e de saúde.”

A família de Lydiane é adventista de sétimo dia, uma denominação cristã protestante surgida nos Estados Unidos em 1844. Os adventistas são orientados a evitar alimentos prejudiciais ao organismo e a comer com moderação alimentos benéficos, em especial os vegetais. Também devem evitar ingestão de bebidas estimulantes e alcóolicas, além do fumo e das drogas lícitas.

Apesar de crescer com um pai que não comprava nem comia carne, ela nunca deixou de consumir esse alimento, pois a avó e a mãe sempre o compravam e o cozinhavam. Apenas há pouco mais de dez anos, a mãe e o irmão tornaram-se vegetarianos.

“Quero ser igual meu pai”

No início da adolescência, Lydiane foi cursar o ensino médio em um internato goiano onde carne de nenhum tipo é servida, mas outros alimentos de origem animal, especialmente queijo e ovos, faziam parte do cardápio. Até então, ela não era vegetariana e, nas saídas do colégio, sempre comia carne. Por conta dos alimentos altamente calóricos muito presentes na dieta do internato, ela teve um ganho substancial de peso em quatro meses.

Certo dia, em um evento promovido pela escola, ela assistiu uma palestra sobre alimentação vegana: “Na época, foi muito radical. Lembro que ela tinha um frango de plástico e falava assim: ‘Ó, se você quer a morte, então coma isso aqui. Se você quer a vida…’ Aí ela levantava um repolho. Bem dramática. Mas a luz acendeu. Saí daquele evento achando meu pai a melhor pessoa do mundo. O tanto que ele é visionário. Já tem tanto tempo que ele não come carne. Aí pensei ‘quero ser igual meu pai’”.

A partir dessa palestra, Lydiane, por indicação de uma amiga, leu um livro da palestrante “dramática” sobre veganismo. As duas decidiram aderir ao movimento. Para elas, foi relativamente fácil, uma vez que não precisavam comprar e cozinhar a própria comida. Isso era parte da responsabilidade do internato, que não servia carne de nenhum tipo. Em cinco meses, elas comiam apenas alimentos de origem vegetal. Lydiane passou a praticar atividade física, perdeu o excesso de peso e apaixonou-se pelo mundo da nutrição.

Nutrição vegetariana e vegana como especialidade

Na graduação, apenas ela e mais três colegas da turma eram vegetarianas. “Os professores sempre condenavam. Eu nunca tive uma aula sobre nutrição vegetariana na faculdade”, conta Lydiane, que se especializou em alimentação baseada em plantas depois de formada.

Ela admite que, no início da carreira, tinha receio de assumir que trabalhava com nutrição em vegetarianismo e veganismo, porque essa especialidade só foi reconhecida pelo Conselho Federal de Nutrição em maio de 2021, por meio da Resolução CFN n° 689.

Segundo a nutricionista, esse reconhecimento do CFN trouxe alívio e felicidade, pois ela passou a ter respaldo oficial para continuar seu trabalho especializado e personalizado junto aos adeptos de uma dieta baseada em plantas.

“Sempre tive dificuldade de atender pessoas não vegetarianas, porque eu nunca aprendi a cozinhar carne. Eu nunca conseguia preparar um arquivo de receitas que me deixasse satisfeita, porque eram receitas que, muitas vezes, minhas amigas faziam. Eu não tinha essa experiência. Hoje tudo que eu compartilho com meus pacientes é aquilo que eu uso, que eu vivo, que tem dado certo para mim e tem funcionado para os pacientes que acompanho desde 2013. Consigo entender as dores deles, as dificuldades por que passam e posso oferecer um acompanhamento muito mais personalizado”.

Alimentação à base de plantas e Covid-19

Para Lydiane, a incorporação da nutrição em vegetarianismo e veganismo como uma especialidade da área, ainda que tardia, se deve às pesquisas sobre os benefícios da dieta baseada em plantas para a saúde. Como exemplo, ela cita um estudo sobre a relação entre dietas à base de plantas e severidade da Covid-19.

Encabeçado pela cientista Hyunju Kim, do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, em Baltimore, Estados Unidos, e publicado em junho de 2021 no British Medical Journal – Nutrition, Prevent & Health, o estudo foi realizado em seis países (Espanha, Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos), entre julho e setembro de 2020, com 568 pessoas infectadas pelo novo coronavírus, das quais, 138 tinham gravidade de Covid-19 moderada a grave.

Os resultados encontrados por Kim e outros sete pesquisadores mostraram que os infectados que seguem dietas à base de plantas tiveram 73% menor probabilidade de gravidade da Covid-19 moderada a grave em comparação com os que não seguem essas dietas. A conclusão do estudo foi que dietas à base de plantas podem ser consideradas protetivas contra quadros graves de infecção pelo novo coronavírus.

Da Redação.